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7 de julho de 2010

Coração das trevas

O giro africano de Lula, presumivelmente o último de sua gestão, sacramenta aquilo que os apologistas do Itamaraty consideram espertíssimo pragmatismo diplomático. Não há problemas em adular regimes desprezíveis, sob esta visão, se houver dividendos. Os mais óbvios são econômicos: o Brasil, Petrobras à frente, tenta garantir para si um naco do butim pós-colonial a que diversas elites africanas se permitem. Temos de correr, dizem os mascates, pois os chineses para variar estão na frente.


Do lado político, os questionáveis votos que o país ganharia em sua campanha por maior relevância em órgãos internacionais -movimento até aqui inócuo, como derrotas sucessivas demonstram. Afinal de contas, é assim que o mundo funciona, argumentam. É fato, mas não deixa de ser incômodo ver a sem-cerimônia com que a diplomacia se entrega a sua leitura torta do que deve ser "realpolitik". Quando a Bélgica integrava o círculo de potências coloniais, o rei Leopoldo 2º qualificou assim a gestão que promovia no Congo: "Nosso objetivo final é um trabalho de paz". Uma campanha internacional expôs a pilha de corpos mutilados que os colonizadores deixavam para trás, e gente como o escritor Joseph Conrad tratou de esmiuçar a metafísica da selvageria.

Agora que o Brasil acha ser integrante da versão século 21 desse clube, somos iluminados pelas palavras esclarecedoras do chanceler Celso Amorim: "Negócios são negócios". Ufa, né? Felizmente vivemos uma era mais civilizada; a barbárie agora é terceirizada, e cadáveres são "assuntos internos". Importa pouco quantos deles são produzidos em Guinés, Irãs e Cubas da vida. Não esperem Lula, Obama ou Hu Jintao condenados mundo afora. Fosse vivo, Conrad teria matéria-prima abundante para um novo "Coração das Trevas". – Por IGOR GIELOW – Folha de São Paulo

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