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12 de julho de 2010

A criatura contra-ataca

O programa de governo do PT traz de volta a ameaça de censura à imprensa e reacende um debate: Dilma Rousseff conseguirá domar seu partido e o monstro do autoritarismo? Por Otávio Cabral – Revista Veja


Dentro de 81 dias, a contar da data de capa da presente edição de VEJA, 134 milhões de eleitores brasileiros vão as umas escolher um novo presidente da República - e 27 governadores, 54 senadores, 513 deputados federais e 1059 deputados estaduais. A corrida aos cargos começou oficialmente na terça-feira passada_ com a aceitação dos registros provisórios dos candidatos pelos tribunais eleitorais do país. São apenas 81 dias - ou onze semanas - para cada um fazer a avaliação dos candidatos e entregar a alguns deles o comando da imensa, cara, poderosa e frequentemente insatisfatória máquina política brasileira. VEJA fará sua parte nesse processo decisório, oferecendo amiúde até lá a seus leitores reportagens de capa, especiais, entrevistas e até edições extras, se necessárias, com o objetivo de escancarar o que os candidatos - principalmente à Presidência - pretendem esconder, iluminar o que querem manter sob sombras e contextualizar o que eles esperariam ver esquecido por julgarem tratar-se de fatos isolados e sem significado.

As quatro reportagens que se seguem tratam exatamente disso. Elas se desenvolvem em tomo de uma questão central para o eleitor - o programa de governo do PT, o partido atualmente no poder e que pretende continuar nele.

A primeira delas tenta elucidar um enigma ainda sem solução: afinal, Dilma Rousseff, se eleita. conseguirá repetir o feito de Lula e impedir que os radicais do PT transformem o Brasil em uma república socialista, de economia planejada e centralizada e sem garantias à liberdade de expressão? Lula teve de cortar a cabeça dessa hidra em diversas oportunidades. Em outras, ele alimentava o monstro no porão enquanto ameaçava deixá-lo à solta caso seus adversários não se comportassem. O episódio da semana passada mostra que Dilma está sendo desafiada pelo monstro do atraso com suas múltiplas cabeças ágrafas, ignorantes. passadistas e liberticidas.

A segunda reportagem é um convite à reflexão que também remete a lacunas assustadoras no programa de governo de Dilma, seja qual for a versão com que ela se apresentará ao distinto público: se eleita, ela dará continuidade à imoral política externa brasileira. baseada na subserviência as piores espécies de ditadores e assassinos em nome de "fazer negócios" com eles?

A terceira reportagem mostra como se deveu à clarividência de um político, o comunista Aldo Rebelo, o bom resultado da nova lei ambiental brasileira, que - contrariamente ao desejo da liderança petista - em troca da moratória do desmatamento por cinco anos, tirou da ilegalidade centenas de milhares de famílias de agricultores que produzem a comida que alimenta o Brasil. Que garantias nos dá o programa - ou os programas da candidata petista--de que não se fará a lei retroagir para punir os agricultores brasileiros?

- A série eleitoral se encerra com uma reportagem sobre o tempo dos candidatos na televisão e a chance que Dilma Rousseff terá de aclarar os pontos obscuros de seus programas e sua estratégia para conter a influencia nefasta dos radicais do seu partido.

Em um documento de dezenove páginas. o PT. da candidata Dilma Rousseff, surpreendeu ao informar aos brasileiros que pretende insistir na implementação de teses radicais e autoritárias. O texto, batizado como A Grande Transformação, trouxe de volta um conjunto de ideias conhecidas e já rechaçadas pela sociedade, como a tentativa de cercear a uberdade de imprensa, a descriminalização do aborto e o incentivo à invasão de propriedades rurais pelos sem-terra. Diante da repercussão negativa, o PT substituiu o documento por uma versão um pouco mais amena, mas nem por isso menos assustadora, o que suscitou uma série de dúvidas.

Sem sucesso no governo Lula, a tentação autoritária estaria rondando agora a campanha de Dilma Rousseff? Segundo os petistas, não. Tudo não passou de um erro grotesco, uma trapalhada. A campanha da ex-ministra é a mais bem organizada, a mais bem equipada, conta com uma equipe enorme de advogados, assessores, jornalistas, marqueteiros e políticos experientes. Porém, teria sido apenas na manhã da segunda-feira passada, o prazo final para o registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral, que alguém percebeu que faltava um documento obrigatório a ser encaminhado à Justiça - o programa de governo. Parece inacreditável, mas ninguém sabia onde estava o programa de governo da candidata. O advogado Sidney Neves, responsável pelo registro e preocupado com o prazo, disse que procurou pelo telefone uma funcionária administrativa do comité, de quem nem sequer recorda o nome, e comunicou a ausência do documento. Minutos depois, a tal funcionária encaminhou um arquivo de computador pelo correio eletrônico, que foi impresso. assinado por Dilma Rousseff e apresentado ao TSE - mas não era o programa de governo. Também parece inverossímil que ninguém se tenha dado ao trabalho de ler o que estava escrito. "Juridicamente, o documento preenchia os requisitos do tribunal. Não sou político. não tinha de analisar a essência do plano de governo", explica Neves.

Oficialmente, Dilma Rousseff só tomou conhecimento do suposto erro depois das repercussões negativas, quando participava de um evemo de campanha em São Paulo. De início, teria ficado furiosa, exigido punições e até levam adoa hipótese de sabotagem interna de alas radicais do PT. Depois, descobriu-se que a culpa fora da tal funcionária. que teria se confundido ao escolher o arquivo de computador a ser enviado. Em vez de encaminhar o programa de governo, mandou o programa do PT, que, apesar de similar em muitos pontos, teoricamente nada tem a ver com a campanha. A nova versão foi protocolada no TSE com 21 modificações em relação à anterior. Foram suprimidas a polêmica sobre o aborto, a conivência com as invasões de terra e incluídos tópicos em defesa do agronegócio. "Foi muito barulho por nada", explicou a candidata petista. Em silêncio, os petistas, apesar dos protestos, decidiram continuar investindo contra a liberdade de expressão. O texto definitivo, que servirá como guia programático de um eventual governo Dilma, segue flertando com o autoritarismo, a partir de ameaças veladas de um pretenso e desejado controle estatal da imprensa.

Há razões para crer que Dilma Rousseff, apesar do passado de ex-guerrilheira comunista, não comungue com as propostas radicais defendidas por setores do PT como juram seus assessores. Mas também existem motivos para desconfiança - e não são poucos. O documento enviado inicialmente ao TSE é o mesmo aprovado no Congresso Nacional do PT em fevereiro, que aclamou Dilma como candidata. A ex-ministra avalizou o programa naquilo que havia de mais retrógrado e radical. As propostas tiveram como fonte de inspiração o Programa Nacional de Direitos Humanos. lançado no no do ano passado pelo governo Lula. também com a assinatura de Dilma. que na época era ministra da Casa Civil. Em todos esses documentos há uma forte defesa do controle da imprensa - uma obsessão de alguns petistas que não gostam de ser fiscalizados nem suportam ler. Ver ou ouvir críticas. O setor vê com muita preocupação essa visão míope, distorcida e preconceituosa por parte do Partido dos Trabalhadores. O controle social da mídia é um manto para que se intervenha e censure um veículo de comunicação", diz Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

A visão distorcida de sociedade, não apenas em relação à mídia, continua presente em boa parte dos 79 itens do programa de governo de Dilma. cujo redator é o assessor da Presidência da República Marco Aurélio Garcia. Ele é a voz mais estridente de um grupo numeroso. embora minoritário. que habita uma das áreas mais pantanosas do PT. Nos oito anos do governo Lula, esses radicais foram agraciados com pequenos lotes de poder, porém longe do centro das decisões políticas e econômicas, tocadas com elogiável e absoluto pragmatismo. Com habilidade política, o presidente Lula sempre conseguiu domar os radicais petistas, oferecendo a eles apenas a sensação de estar no poder. A interrogação que aparece é se Dilma Rousseff, estreante em disputas eleitorais e neófita nos labirintos da política, conseguirá isolar os radicais de seu partido ou se tornará refém caso vença a eleição. "Lula dispõe de uma ascendência sobre todas as facções do PT que nenhum outro petista jamais será capaz de alcançar. Dilma nem sequer sonha com isso. Se seu governo tiver a capacidade de apresentar resultados econômicos muito positivos. como o de Lula, é possível que ela consiga esticar a lua de mel com os diversos grupos. Se não conseguir. uma briga fratricida de consequências imprevisíveis poderá se instalar, adverte o cientista político Carlos Pio. da Universidade de Brasília.

Na coordenadão de sua campanha, Dilma cercou-se de petistas moderados, como Antonio Palocci, o fiador da estabilidade econômica. Luiz Dulci, responsável pela relação amistosa com os movimentos sociais, e o ex-prefeito Fernando Pimentel. Em uma órbita muito próxima, porém, continuam girando figuras antagônicas, como o ministro Franklin Martins. defensor do controle da imprensa livre, o ministro Paulo Vannuchi, o mentor do Programa Nacional de Direitos Humanos, e Marco Aurélio Garcia. Lula enfrentava profundas desconfianças da sociedade e do sistema financeiro internacional quando despontou como favorito às eleições de 2002. O chamado "risco Lula" provocou a desvalorização do real, a fuga de capitais. a instabilidade da economia, e só foi amenizado quando ele divulgou a Cana ao Povo Brasileiro, um compromisso formal de que, se eleito, cumpriria os contratos e manteria a estabilidade econômica. Para afastar definitivamente as desconfianças que ainda rondam sua candidatura. Dilma talvez tenha de seguir o exemplo de seu padrinho político, principalmente no que se refere aos princípios mais elementares de uma democracia.

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