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22 de agosto de 2010

Miopia moral

Quem faz elos estratégicos com ditatoriais vende a própria alma e joga fora valores éticos

Cumplicidade interna com a corrupção sob pretexto de governabilidade e complacência externa com tiranos e violadores de direitos humanos em nome do realismo são as manchas principais da situação que se vive hoje no Brasil. Nos dois casos, os valores morais e o aperfeiçoamento da democracia são sacrificados a ganhos imediatistas. É a miopia moral que se concentra nos lucros perto e não enxerga os prejuízos a maior distância.

Em artigo intitulado "A democracia precisa de confiança", o "clarificador da cultura política" italiana Norberto Bobbio explicava porque nenhum regime democrático sobrevive à corrupção sistêmica e institucionalizada. Por Rubens Ricupero


A condição da possibilidade da democracia, ensinava, é a confiança recíproca entre os cidadãos e destes nas instituições. A corrupção generalizada aniquila a confiança e provoca a degeneração das instituições, incapazes de funcionar bem.

Cedo ou tarde o processo termina por destruir os governos. O suicídio de Vargas em 1954 resultou da ocasião oferecida pela corrupção ao moralismo lacerdista. Em 1992, sem interferência do moralismo, de novo a corrupção conduziu-nos a crise gravíssima.

Uma estratégia eleitoral baseada em aliança com partidos estruturalmente dependentes da corrupção pode até ganhar eleições no presente ao custo de semear desgraça e crise futuras.

Quem promove tais estratégias assume grave responsabilidade perante a história; quem vota por elas não ignora que contribui para pôr em risco todos os avanços recentes no país.

Não é moralismo cumprir quase o dever médico de alertar que o mesmo vírus de doença passada acabará por produzir efeito igual no organismo da nação.

No plano externo, chamar de estratégicas relações com regimes ditatoriais que condenam mulheres ao apedrejamento pode também conquistar aplausos ideológicos ou lucros comerciais. Contudo, quem faz isso vende a própria alma, jogando fora os valores éticos e arruinando o prestígio vindo do exemplo.

Os americanos desmoralizaram os ideais de sua diplomacia com o apoio a ditadores militares na América Latina e os crimes no Iraque.

Para o Brasil, país que não é potência militar nem econômica, só dispondo do poder da persuasão e do exemplo, ainda é mais grave, pois nos empobrecemos do nosso único trunfo e riqueza.

No exterior já se multiplicam artigos afirmando que o Brasil é o melhor amigo dos tiranos e que nossa política errática e irresponsável ameaça a aspiração a membro permanente do Conselho de Segurança.

Argentina e México, também candidatos da América Latina, são exemplares na atuação no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, contrastando com o Brasil, aliado de Cuba, Paquistão e demais bloqueadores da investigação e luta contra as piores violações na Coreia do Norte, Irã, Congo, Sri Lanka, Darfur etc.

Alega o governo preferir agir em silêncio, mas, quando podia, nada fez para ajudar a liberar prisioneiros em Cuba. Pressionado pela opinião, teve de intervir de público em favor da condenada no Irã.

Essa incoerência revela calculismo oportunista e confusão de valores. O calculismo, porém, tem fôlego curto: no longo prazo liquidará a governabilidade e o prestígio externo. Folha de São Paulo

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