"Acho que tem de haver a descriminalização do aborto. Acho um absurdo que não haja" (4 de outubro de 2007, em entrevista à Folha de S. Paulo)
O PT sempre defendeu o aborto...
"Defesa da autodeterminação das mulheres, da descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público, evitando assim a gravidez não desejada e a morte de centenas de mulheres, na sua maioria pobres e negras, em decorrência do aborto clandestino".(Resolução do 3° Congresso de 2 de setembro de 2007)
"Eu pessoalmente sou contra. Não acredito que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência" - (29 de setembro de 2010, em pronunciamento realizado ao lado de lideranças cristãs, para conter perda de votos entre o eleitorado religioso)
...agora, por motivos eleitorais, mudou de ideia
"A questão de aborto nunca esteve no programa de governo de Dilma, portanto não faz sentido você dizer que vai retirar uma coisa que não existiu. Ela é pessoalmente contra o aborto e não vai propor nenhuma modificação na legislação relativa a isso."
A tentativa de negar seu apoio à descriminalizadão do aborto embaraça Dilma Rousseff e evoca outra questão: quais são, afinal, as suas reais convicções? Por Leonardo Coutinho, Otávio Cabral e Vinícius Segalla
Passada a ressaca do primeiro turno das eleições presidenciais, o marqueteiro do PT, João Santana, encomendou pesquisas para aferir os motivos que levaram eleitores a abandonar o barco da petista Dilma Rousseff na reta final das eleições. O mais determinante deles, concluiu, foi o peso do voto religioso. Grande parte dos eleitores que trocaram Dilma por outro candidato o fez depois de saber que ela havia se declarado favorável à descriminalização do aborto - uma posição compartilhada por apenas 11% dos brasileiros, segundo a última pesquisa do Datafolha sobre o tema. De acordo com o levantamento, de 2008, 14% da população do país acha que o aborto deveria ser permitido em mais situações, enquanto uma ampla maioria de 68% dos brasileiros se diz contrária a qualquer mudança na lei atual - que prevê punição para a interrupção artificial da gestação nos casos em que ela não foi resultado de estupro ou não põe em risco a vida da mãe. Em relação a essa questão, portanto, o eleitorado brasileiro é claramente conservador. Confrontada com essa realidade, a presidenciável Dilma Rousseff se enrolou. Ou melhor, tentou enrolar o eleitor.
Há três anos, ela defendeu de forma inequívoca a descriminalização do aborto, uma bandeira petista. Reafirmou sua posição em abril de 2009 e, novamente, em maio e agosto deste ano, em documentos e entrevistas a diferentes veículos de comunicação. Durante a campanha eleitoral, porém, Dilma passou a se declarar "pessoalmente contra o aborto". Seu desdito nao só se revelou insuficiente para convencer pane do eleitorado cristão, que descarregou votos nos seus adversários José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), como somou à discussão uma questão que há tempos vem rondando a candidata do presidente Lula. Quem é e o que pensa de verdade Dilma Rousseff?
A ex-ministra já mudou de opinião em relação à sua amiga e sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, acusada de transformar o ministério em um balcão de negócios. Ora Erenice merece sua "inteira confiança , ora é apenas "uma ex-assessora" cujo comportamento não lhe diz respeito. Dilma já mostrou que o que ela diz não se escreve em relação ao MST, à liberdade de imprensa, à relevância das questões ambientais e à condução da política monetária. Como um pêndulo, balança para lá e para cá, sempre ao sabor de conveniências - políticas ou eleitorais. Tal comportamento contribuiu para reforçar as muitas interrogações que pairam sobre ela - e que tiveram origem na forma como se sagrou candidata. Dilma jamais disputou uma eleição. Sua candidatura é fruto de uma decisão solitária de Lula. Embora tenha sido escolhida pelo presidente no início de 2007, foi sempre resguardada do embate político. O dito e o desdito sobre o aborto não contribuíram em nada para diminuir as zonas de sombra que cercam a sua candidatura.
No Brasil, a questão nunca havia tido impacto numa corrida presidencial, como ocorre desde os anos 70 nos países ricos. Nos Estados Unidos, o tema esteve presente em quase todas as eleições recentes - e continua a ser motivo de discussão. Para aprovar neste ano sua reforma do sistema de saúde, o presidente Barack Obama teve de acatar a exigência de grupos conservadores de não permitir o uso de recursos públicos no financiamento do aborto. No Brasil, a surpresa não está no fato de o tema ter vindo à tona nestas eleições, e sim no de não ter surgido antes. "As discussões que envolvem valores morais são fundamentais numa eleição. O debate sobre o aborto já deveria ter ocorrido. Estamos atrasados"", diz o antropólogo Roberto DaMatta.
Internamente, o PT discute a descriminalização do aborto desde sua fundação, há trinta anos. Em 2007, a legenda fechou questão em torno da liberação da prática. A posição tornou-se tão consolidada na sigla que, dois anos depois, o PT puniu quem pensava diferente. Sua comissão de ética suspendeu os deputados Luiz Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC) depois que eles reafirmaram sua posição contrária ao abono. A decisão do pânico fez com que ambos decidissem migrar para o PV. Outra evidência da convicção da agremiação é o fato de que foi o próprio PT - e não outro partido ou qualquer veículo de comunicação quem primeiro inseriu o tema na campanha eleitoral. Em 18 de agosto, questionada no debate promovido pela associação Folha/UOL se era favorável à legalização do aborto. Dilma Rousself respondeu que "a legislação deveria entrar em equilíbrio com os interesses das mulheres" e afirmou que a prática tem de ser "tratada como um assumo de saúde pública", numa clara indicação de que, se eleita, pretendia estendê-la à rede pública. O PT, orgulhosamente, disseminou a resposta em seu site e no Twitter. Ao fazé-lo, criou uma avalanche de consultas no Google a respeito da posição de Dilma sobre o aborto. Um dia antes, o número de pesquisas sobre o tema era inexistente ou tão pequeno que nem sequer conseguia ser captado.
Na tentativa de acalmar os cristãos, a campanha da petista divulgou uma Carta Aberta ao Povo de Deus. No documento, Dilma transferia ao Congresso a responsabilidade pelas decisões relativas ao aborto. Em vez de apaziguar. O texto atiçou os religiosos, e o debate pegou fogo de uma vez. A internet toi inundada de condenações de líderes religiosos a petista. O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, divulgou uma carta condenando o posicionamento de Dilma e de seu partido e pregando o voto em José Serra. O presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória. Enock de Castro, veio a público para dizer que "não aceita os princípios de Dilma". "Os rumos do país podem mudar para pior se o PT ganhar a eleição"", disse o padre José Augusto, de Cachoeira Paulista, durante um sermão transmitido pela TV Canção Nova. Lideranças espíritas também se uniram no coro contra o aborto.
A bandeira petista da descriminalização do aborto é legítima, respeitável e poderia dar uma grande contribuição para o debate nacional. Mas, assim como Dilma, o partido que a desfraldava agora tenta escondê-la do eleitor. "Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas", disse o secretário de comunicação do partido, André Vargas. O PT repete o equívoco de sua candidata. Integrantes de sua cúpula cogitam até mesmo retirar a descriminalização do aborto do seu programa partidário. Pura manobra eleitoral. Como escreveu a colunista Dora Kramer, do jornal O Estado de S. Paulo. "se o PT pode retirar o tema do aborto do programa aprovado pelo partido porque atrapalha a campanha, com a mesma facilidade pode repor o assunto na agenda quando achar que nao há mais obstáculos". De partidos e candidatos, esperam-se, muito mais do que estratégia eleitoral, convicções. Quais são as de Dilma, afinal de contas?
Os ditos e desditos de Dilma No início da campanha presidencial, revelou-se que a petista Dilma Rousseff havia inserido em seu currículo oficial duas informações inverídicas: de que teria mestrado e doutorado em economia pela Unicamp. Diante da descoberta, a petista afirmou que se tratava de um mal-entendido. Como se vê, foi apenas o primeiro de uma série.
ANTES:
Erenice Guerra
"Ela tem minha confiança até hoje" (11 de setembro de 2010)
MST
À Rádio Jornal, do Recife, Dilma declarou que não considerava "cabível" usar um boné do MST: "Governo é governo, e movimento social é movimento social" (20 de abril de 2010)
Liberdade de imprensa
Em seu programa de governo entregue a Justiça Eleitoral, propunha o controle da imprensa por meio de conselhos e "observatórios" comandados pelo governo (5 de Julho de 2010)
Meio ambiente
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, classificou como "um escândalo" o fato de os países ricos cobrarem contribuições financeiras das nações em desenvolvimento para a constituição de um fundo de preservação ambiental (13 de dezembro de 2009)
Política monetária
Dilma classificou a política de juros do Banco Central, comandado por Henrique Meirelles, de "rudimentar" e afirmou que o BC apenas "enxugava gelo" (9 de novembro de 2005)
DEPOIS:
Erenice Guerra
"Não posso ser julgada com base no que aconteceu com o filho de uma ex-assessora" (no dia seguinte)
MST
Não disse nada, mas discursou na convenção do PF em Sergipe com o boné do MST na cabeça (24 de junho de 2010)
Liberdade de imprensa
"Sou rigorosamente contrária ao controle do conteúdo, O único controle que existe é o controle remoto" (21 de julho de 2010)
Meio ambiente
Desautorizada por Lula, que se dispôs a contribuir com o fundo. Dilma se disse favorável à doação, desdenhando a proposta feita por Marina Silva, que sugeriu que o Brasil doasse 1 bilhão de dólares. "Não faz nem cosquinha"", disse Dilma (no dia seguinte)
Política monetária
"Importantíssima a autonomia operacional que o Banco Central teve no governo do presidente Lula. Sempre tivemos uma relação muito tranquila com o BC" (10 de maio de 2010)
Com reportagem de André Vargas e Marcelo Sperandio - Revista Veja
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