“O Vox Populi pratica uma subserviência mais intensa”
Sexta-feira, oito da noite em Cruz Alta, capital do trigo, no Rio Grande do Sul, em 1981. A cidade animada, a praça central cheia de gente. Ia começar o comício de Brizola lançando o PDT nos pampas. Da sacada da prefeitura, por cima do palanque instalado em frente, um homem grandalhão, forte, 53 anos, cara de alemão, olhava a praça lotada e sorria feliz. O Dr. Schimidt, o Schimitão, médico e prefeito, lambia a cria. Preparou a festa e a praça era uma festa. Fazia as contas conosco:
- Tem 10 mil pessoas.
- Tem muito mais, tem 15 mil.
- Não, 15 não tem não. Tem entre 10 e 12. Conheço essa praça como a palma da minha mão. É um sucesso, apesar da ameaça de chuva. Por Sebastião Nery
JORNALISTA
E desceu para o palanque. No canto do salão da prefeitura, uma menina bonita, bolsa no ombro, estava no telefone:
- O comício vai começar. Um fracasso. No máximo, 1.500 pessoas.
Schimitão deu um salto:
- Minha filha, você está falando com quem?
- Com a minha redação. Sou jornalista.
- Tenha paciência. Você está cometendo uma indignidade. Vamos ali para a sacada fazer os cálculos juntos. Se você quiser, vou com você para a praça e vamos sair contando. Quando completar as 1.500 pessoas, você vai ver que tem várias vezes mais. Não faça isso, seja uma profissional correta.
PREFEITO
Quem é o senhor?
- Sou o prefeito.
- Pois fique sabendo que a notícia é minha, mando a que quero.
- E fique sabendo que o telefone é meu e nele não manda mentira.
E desligou. A menina linda saiu furiosa.
No dia seguinte, os jornais deram entre 10 e 12 mil pessoas.
PESQUISAS
Pesquisa é uma grata lembrança da juventude. Chegando a Belo Horizonte em 1952,dando aulas e começando em jornal, os dois salários mal pagavam as modestas contas. Apareceu em Minas um paulista simpático, diretor do IPOM (Instituto de Pesquisa, Opinião e Mercado), para organizar equipes de universitários a fim de fazer pesquisas sobre o consumo de produtos eletrodomésticos, que começavam a aparecer.
Como eu era do Diretorio Acadêmico de minha Faculdade e conhecia bem as outras, acabei contratado para ajuda-lo. E passava noites e pedaços das madrugadas, em um pequeno grupo, esquadrinhando a cidade, bairro por bairro, rua por rua, para termos um mapa real da população.Com o salario das pesquisas descobri o que era ganhar mais do que gastava.
VENALIDADE
Em um pais do tamanho do Brasil, com uma economia e uma população tão múltiplas, pesquisa é produto de primeira necessidade. E os institutos que as fazem entidades nacionais de interesse coletivo. Quando chegam as eleições, a maioria delas cai na gandaia e desmoralizam tudo.
Ninguem é infalível. Mas todas erraram muito alem das “margens de erro”. Há um mistério atrás disso. E tem nome: venalidade. Venderam-se.
BROSSARD
Na semana passada, no jornal paulista DCI (“Diário do Comercio, Indústria e Serviços”), o grande mestre Paulo Brossard, jurista, ex-deputado, ex-senador, ministro da Justiça e do Supremo Tribunal, escreveu um artigo devastador sobre as pesquisas eleitorais no primeiro turno:
- “AS SONDAGENS INSONDAVEIS – Chegou um momento em que a pesquisa parecia prevalecer sobre a própria eleição e seu desfecho”.
“Por motivos ainda a serem devidamente examinados, as pesquisas sucessivas transformaram-se em protagonistas do processo eleitoral no Brasil. O fenômeno, a continuar nesse crescendo, demandará analise adequada por parte dos partidos, de entidades docentes,da Justiça Eleitoral”.
MAGNOLI
O professor Demetrio Magnoli, sociólogo, doutor em Geografia Humana pela USP, fala com a autoridade de quem entende do assunto:
1. “A bajulação dos poderosos de turno obedece a uma lógica inflexível. O presidente do Ibope, Oráculo de araque, não se limita a isso: ele vende um produto falsificado... Na noite de 3 de outubro, o Ibope divulgou as pesquisas de boca de urna para a eleição nacional e para 16 Estados. Das 17 pesquisas, 12 ficaram fora da margem de erro”.
2. - “Cenário similar, catastrófico, emerge das pesquisas para o Senado. Há tanta diferença em vender automóveis com defeitos nos freios? O Ibope não está só. As pesquisas imediatamente anteriores do Datafolha, Sensus e Vox Populi também não resistem ao cotejo com as apurações.”
VOX POPULI
3. - “O Vox Populi pratica uma subserviência mais intensa. Durante toda a campanha, o Militante assinou panfletos políticos governistas fantasiados como analises técnicas. Cravou 53,4% para Dilma Errou em 6,5 pontos, quase três vezes a margem de erro proclamada de 2,2%”.
4. – “Os institutos comercializam um produto rotulado como informação. Se fosse leite, intoxicaria os consumidores. Sendo o que é, envenena a democracia... A opinião publica ludibriada a cada eleição, encontra-se no limiar da saturação”. (Globo).
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