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27 de julho de 2010

“Censurar humor é inconstitucional”

O professor de Direito Constitucional Gustavo Binenbojm, da Uerj, diz que a lei eleitoral "incorre numa inconstitucionalidade", ao restringir programas humorísticos, por ferir a liberdade de expressão. Para ele, o eleitor é capaz de entender o que é só uma piada.

"O humor na política deve ser preservado” — Especialista critica lei eleitoral e tutela do Estado, lembrando que Constituição garante liberdade de expressão. O Globo/ Fabio Brisolla

ENTREVISTA


As restrições impostas aos programas de humor pela lei eleitoral são inconstitucionais.

É a opinião de Gustavo Binenbojm, professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que considera essas limitações uma forma de silenciar e censurar humoristas.

A lei eleitoral proíbe que programas de rádio e TV degradem ou ridicularizem candidatos, provocando mudanças em programas como Casseta & Planeta, CQC e Pânico na TV. Em entrevista ao GLOBO, Binenbojm lamenta que sátiras políticas estejam perdendo espaço por causa da legislação. E considera um equívoco interromper um eficiente canal de comunicação entre políticos e eleitores. O humor é um instrumento para atrair o interesse da opinião pública para um assunto, frisa. O professor ressalta que o eleitor tem senso crítico suficiente para saber o que é apenas uma piada. Se não acreditamos que o cidadão tem capacidade de fazer seu próprio julgamento, estamos caminhando para um regime fascista.

O GLOBO: Qual é a avaliação do senhor sobre as restrições aos programas humorísticos de TV previstas na lei eleitoral?

GUSTAVO BINENBOJM: Existe uma preocupação da lei brasileira de assegurar a lisura do processo eleitoral. Procura impedir manipulações nos meios de comunicação, como o uso de informações falsas que possam favorecer ou prejudicar determinado candidato. Seria uma regulação até desejável, mas as restrições vão muito além. Visam a garantir uma neutralidade dos veículos de comunicação de massa incompatível com a liberdade de expressão. Tal como foi redigida, a lei eleitoral provoca um efeito silenciador sobre manifestações artísticas como sátiras, charges e programas humorísticos. Impede o público de conhecer fatos através do humor. Antes de ser um direito, informar e criticar livremente é um dever dos veículos de comunicação. E, além disso, todo cidadão tem o direito de acesso à informação.

O GLOBO - O que poderia ser feito para reverter as limitações enfrentadas pelos humoristas durante a campanha eleitoral?

BINENBOJM: O Congresso Nacional poderia editar uma nova norma ou corrigir a redação atual para permitir a existência de sátiras sobre candidatos em programas de humor durante as eleições. Num ambiente de liberdade de expressão, isso faz parte do debate público. Muitas vezes, o humor é a forma que melhor desperta a atenção dos cidadãos para assuntos de interesse público. Outro caminho seria recorrer ao TSE para que haja uma segurança jurídica na aplicação dessa norma pelos veículos de comunicação. O entendimento do TSE sobre o que a lei determina poderia garantir a liberdade necessária aos programas de humor.

O GLOBO Os defensores da atual legislação afirmam que as restrições são necessárias para garantir a lisura do processo eleitoral...

BINENBOJM: Ao que parece, o objetivo da lei eleitoral no caso seria impedir que um candidato cometesse excessos na propaganda eleitoral obrigatória usando a TV ou o rádio para difamar um adversário. Mas esse artigo da lei eleitoral acabou atingindo os programas humorísticos em geral. O humor é um instrumento para atrair o interesse da opinião pública para um assunto. Uma sátira se utiliza de características da personalidade de um político para despertar o interesse do telespectador

O GLOBO - O senhor discorda do argumento que relaciona a sátira política a uma forma de ofensa ou difamação?

BINENBOJM: Além de informar, os meios de comunicação têm o dever de criticar os fatos. E isso pode ser feito sob a forma de sátira, de charge ou qualquer outro formato de humor. A lei eleitoral brasileira incorre numa inconstitucionalidade, porque a norma atual é incompatível com o regime constitucional que assegura a liberdade de expressão.

O GLOBO - Nos Estados Unidos, os políticos são alvos constantes de programas humorísticos, como o Saturday Night Live, da Rede NBC, mesmo durante a campanha eleitoral...

BINENBOJM: O modelo da lei eleitoral dos Estados Unidos é o mais liberal do mundo. Confere aos veículos de comunicação total liberdade, inclusive para manifestar apoio a um determinado candidato. Na Europa, existem algumas formas de regulação que procuram resguardar a imagem dos candidatos.

Mas a lei brasileira é ainda mais restritiva. Produz um efeito silenciador sobre os veículos de comunicação. Prevalece uma visão preconceituosa: a ideia de que a lei e o Estado devem proteger o cidadão de si próprio. É uma cultura oficialista. Avalia que o Estado tem maior capacidade do que o cidadão para formular juízo crítico sobre fatos de interesse público. Isso é uma forma de censura.

O GLOBO - O programa Casseta & Planeta, da Rede Globo, eliminou imitações aos presidenciáveis do roteiro durante a campanha. O CQC, da Band, amenizou o tom na abordagem aos políticos.O humor está sendo levado muito a sério pela atual legislação?

BINENBOJM: O papel do humor na política é tão importante que deve ser levado a sério e, justamente por isso, preservado de restrições impostas pela lei. O político precisa aprender a usar o humor a seu favor. O deputado que consegue rebater de maneira informada, contundente, a uma pergunta de um repórter do CQC, está prestando um serviço à população e também a si próprio. Está usando um veículo de comunicação para sua promoção pessoal. Toda vez que suprimo o direito de manifestação, provoco um efeito colateral que é a propagação da ignorância, do desinteresse. O sujeito tem de ser capaz de fazer do limão uma limonada, de fazer da charge um instrumento de promoção de suas próprias ideias. De compreender que as pessoas têm o direito de discordar, que isso é parte do debate político. A sátira não é uma distorção. É um elemento de vitalidade das democracias maduras.

O GLOBO - O eletor brasileiro está preparado para diferenciar o que é apenas uma piada?

BINENBOJM: Se não acreditamos que o cidadão tem capacidade para fazer seu próprio julgamento, estamos caminhando para um regime fascista. O Estado vai informar o que ele pode saber. A opção no Brasil foi pela democracia. E a democracia comporta riscos e, muitas vezes, escolhas equivocadas... A atual lei eleitoral é própria de sociedades que passaram por períodos de ditadura militar e ainda não atingiram a maturidade da liberdade de expressão. O que é essa maturidade? Defender a liberdade de expressão ainda que, circunstancialmente, ela possa se voltar contra você.


SHARIA TUPINIQUIM
A cada dia uma lei mais bizarra que outra. Na semana passada o governo decidiu que não podemos mais dar um tapa (corretivo) na bunda dos nossos filhos. Agora a ordem é para pararmos de rir. Nem vou entrar no resto.

Só podia ser obra de um governo cínico, sem escrúpulos e autoritário, que se sente autorizado, por sua popularidade (?), a ameaçar nossas liberdades civis.

O humor, a comédia, sempre foi uma poderosa ferramenta de comunicação, um mecanismo para a compreensão social do processo democrático, pelos eleitores, pois alcança os mais diferentes níveis de uma sociedade, propiciando que as pessoas - mesmo aquelas que são ignorantes em política - tenham um mínimo de compreensão sobre os infinitos escândalos políticos - e aí, mora o problema!

Ao fecharem mais esta porta, de forma ilegal, fica cada vez mais clara a intenção de nos imporem a escuridão. FiladaSopa

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