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20 de julho de 2010

Em defesa da civilidade

A sociedade brasileira carece de homogeneidade e corre o perigo de se aproximar do estágio de anomia, enfermidade social caracterizada pela falta de normas de conduta reconhecidas pela população e regularmente aplicadas pelo Estado. É o que se constata ante a proliferação de casos envolvendo pessoas de diversos extratos, pobres e ricas, no cometimento de crimes aberrantes, bárbaros, extremamente cruéis, mas, sobretudo, no comportamento antissocial que pode ser observado em todos os lugares. Os passeios apodrecidos pela urina e por fezes, o som elevadíssimo nos veículos, nas residências, em todo lugar, as conversas intermináveis pelo celular, em voz alta, em locais públicos, a exaltação da vulgaridade, as celebridades vazias ou nocivas. Por Lázaro Guimarães


Essa situação requer reflexão que pode ser extraída do encontro de dois grandes pensadores alemães, documentado em Dialetics of secularization, livro originalmente editado em Viena, no ano de 2005, traduzido para o inglês e lançado agora em versão eletrônica, reunindo textos do filósofo Jurgen Habermas e do teólogo Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI.

Habermas e Ratzinger nasceram no fim da década de 1920, doutoraram-se, respectivamente, em 1954 e 1953, e, nos textos resultantes desse diálogo, abordam a questão da base normativa em que devem se apoiar as sociedades plurais, democráticas, secularizadas. O tema central da obra é “a fundação moral pré-política do Estado livre”.

O formulador da teoria da ação comunicativa parte, nesse trabalho, da indagação sobre a possibilidade de o Estado livre, secularizado, poder existir com base em pressupostos normativos que suas instituições não possam garantir, e enfatiza: “As estruturas da sociedade liberal são dependentes da solidariedade dos seus cidadãos. E, se a secularização da sociedade sai dos trilhos, as fontes dessa solidariedade também devem secar” (tradução livre).

No Brasil, essa fonte ainda não se consolidou, não existe a homogeneidade, não se solidificaram os laços entre os diversos grupos sociais. Em vez da solidariedade, revela-se a cada instante a prevalência do individualismo brutal que se espalha por todas as camadas da população.

Do cardeal Joseph Ratzinger vem a proposta que resolve a questão: “A garantia de uma colaboração compartilhada na elaboração da lei e na justa administração do poder é o argumento básico que fala em favor da democracia” (tradução livre). E acrescenta: “Suspeita quanto ao direito, revolta contra o direito, sempre advém quando o direito aparenta não expressar a justiça que esteja a serviço de todos, mas como produto da arbitrariedade e da arrogância legislativa de parte daqueles que têm o poder para tanto”.

Essas reflexões adotam a mesma linha preconizada por Norberto Bobbio em Entre duas Repúblicas (Roma,1996), que adverte para o perigo da neutralidade dos intelectuais e da despolitização da população e se encaixam perfeitamente na lição de Bertrand Russel, para quem a Justiça é uma ideia, um conceito universal que paira acima da percepção particular dos objetos (Londres, 1912).

Daí a conclusão quanto à importância da campanha eleitoral que se inicia em nosso país. É preciso que cada brasileiro com direito a escolher os seus representantes se envolva diretamente, escolha e defenda com os meios ao alcance os seus candidatos e vote com a convicção de que da sua seleção dependerá o êxito na condução da coisa pública. Essa é a maneira de afirmação de cidadania, um dos fatores de remoção do perigo da barbárie. Opinião do Correio Braziliense

Lázaro Guimarães é Magistrado e professor universitário

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