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20 de julho de 2010

Contrabando eleitoral dentro do trem-bala

Lula não se conforma. Por que um sujeito que completa oito anos de governo com 80% de aprovação popular tem de ir para casa? Se tivesse a desinibição de Hugo Chávez, ele não iria embora. Encabulado, o presidente brasileiro não adotou a democracia de cativeiro do colega – embora tenha chegado a afirmar que um dia o Brasil será tão democrático quanto a Venezuela. Resultado: Lula resolveu fazer com a eleição de 2010 tudo o que não fez com a Constituição, menos beijo na boca. Depois de zombar alegremente das leis, ridicularizando em público as sucessivas multas recebidas por promover indevidamente sua candidata, o presidente partiu para o esculacho supremo. Por Guilherme Fiuza


Em solenidade oficial no Itamaraty, fez propaganda ilegal de Dilma Rousseff diante do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ninguém menos. Na cara do juiz do jogo, Lula pegou a bola com a mão e disse, subliminarmente: quero ver você me expulsar.

A afronta do presidente da República ao presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, se deu com requintes de escárnio. Na reunião da Cúpula Brasil-União Europeia, Lula iniciou o discurso delinquente com um pedido de desculpas. Lamentava, condoído, “possivelmente ter cometido uma falha” no lançamento do edital para o Trem de Alta Velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo, na véspera. A falha seria ter citado Dilma como principal responsável pelo projeto. Enquanto se desculpava, Lula repetia, angelical, a exaltação a sua criatura.

“Eu fiquei quase que na obrigação moral de dizer que quem tinha começado a trabalhar a questão do trem-bala, começar o projeto e a discutir tinha sido a companheira Dilma.” O pedido de desculpas prosseguiu, com as velas da propaganda eleitoral estufadas: “Possivelmente, não devesse ser eu a ter falado, mas um outro companheiro, o ministro dos Transportes ou a ministra da Casa Civil ou um deputado. O dado concreto é que vocês, como jornalistas, sabem que foi ela que começou, que trabalhou, que organizou e que fez todo o trabalho para que a gente pudesse ontem publicar o edital do trem-bala”.

A conjuntura convida Lula a se sentir maior que a lei. Cara feia do presidente do TSE, para ele, é fome

O dado concreto era que Lula, fazendo não os jornalistas, mas a plateia, o presidente do TSE e o Brasil inteiro de tolo, aproveitava para dizer de novo, com mais ênfase, aquilo que se penitenciava por ter dito: “Se eu cometi um erro político, eu peço desculpas, mas a intenção era apenas fazer um reconhecimento histórico a quem trabalhou para concluir uma coisa”.

Foi, de fato, um reconhecimento histórico. Nunca antes, na história da cara de pau palaciana, um presidente da República abusara de seu poder de forma tão singela e apoteótica. Se os companheiros andavam nostálgicos de uma revolução, aí está ela – atropelando as convenções não petistas como um trem-bala.

O que faria outro presidente no lugar de Lula? Difícil saber. Poucos mandatários, no mundo inteiro, viveram a situação que ele vive. Chegar ao fim de um segundo mandato nos braços do povo, com desgaste mínimo e índices formidáveis de aceitação, é fato raro na história da democracia. A conjuntura convida Lula a sentir-se maior que as instituições, maior que a lei. Cara feia do presidente do TSE, para ele, é fome.

Com a carta branca que o Brasil lhe deu, perdoando todos os seus delúbios, valérios, dirceus, waldomiros, gushikens, silvinhos, valdebrans, gedimars, freuds e aloprados S.A., Lula tem sido até modesto. Hugo Chávez não deve estar entendendo nada. Nem ele, nem a banda do seu grupo político que sempre quis “falar por cima” (ou de cima) com a imprensa, o Congresso, a Constituição. Está tudo lá, no programa de governo que Dilma protocolou mas não leu, rubricou mas não assinou, retificou mas não refutou, fumou mas não tragou.

Que o trem-bala eleitoral de Lula vai atropelar tudo até novembro, não resta dúvida. O desafio é descobrir o que exatamente ele carrega lá dentro. Perguntem ao polvo. Revista Época

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