Parece incoerência o país completar 25 anos ininterruptos na democracia, o mais longo ciclo sem curto-circuitos institucionais da história da nossa República, e alguns setores da sociedade enfrentarem problemas de restrição à liberdade de expressão. E surpreende que sejam dificuldades já inexistentes na fase final do regime militar, antes mesmo de 1985, quando se despediu do Planalto o último general, João Baptista Figueiredo. Editorial O Globo
A explicação está na chegada ao poder, com o governo Lula, de grupos de esquerda autoritária incansáveis na perseguição da ideia fixa de contrabandear para a legislação e políticas públicas instrumentos de controle social, de maneira dissimulada. Os propósitos costumam ser os melhores possíveis, a ideia por trás das medidas não deixa de ter alguma lógica. Porém, nestas ações, há sempre a presença de um elemento fundamental: a ingerência do Estado na vida privada, de pessoas e empresas, peça-chave na construção do aparato orwelliano do Grande Irmão.
O lapidar e mais recente exemplo é o projeto de lei assinado pelo presidente Lula, em meio a fanfarras pela comemoração dos 20 anos do Estatuto do Menor (ECA), que visa a estatizar a relação entre pais/escolas e filhos. A lei - destinada a coibir palmadas e beliscões de pais em filhos, de professores em alunos, destilada na incansável Secretaria de Direitos Humanos - seria apenas ridícula não fosse fruto desta cultura autoritária, que parece avançar dentro do governo à medida que se aproximam as eleições. O governo defende o tragicômico projeto como se fosse impedir a repetição do caso Isabella Nardoni. Entendem os doutos de Brasília que beliscões e palmadas podem levar a crimes como este, em que pai e madrasta foram condenados por jogar de um prédio a filha e enteada. Ora, não se pode colocar no mesmo saco distúrbios graves de comportamento, aleijões de personalidade e cenas do cotidiano de famílias e escolas. Mas os estatistas desejam intervir em tudo.
No primeiro governo Lula, o Ministério da Cultura tentou controlar o conteúdo da produção audiovisual, por meio de uma agência (Ancinav). Na mesma época, o Palácio deu espaço para corporações sindicais ameaçarem montar um aparato de patrulha das redações das empresas de comunicação profissionais e independentes (Conselho Federal de Jornalismo). Deram em nada as investidas. Mas, por se tratar de uma cultura autoritária, com militantes em vários recantos do governo, surgem iniciativas intervencionistas em diversas áreas.
Como na Anvisa, agência do Ministério da Saúde, a qual insiste em intervir, via resoluções, em propagandas de alimentos, só possível por meio de lei aprovada no Congresso. Ainda bem que existem pesos e contrapesos inerentes ao regime democrático, graças ao quarto de século de estabilidade política. Na terça, a Advocacia-Geral da União instruiu a Anvisa a suspender as restrições, por ilegais. Com é da sua índole, a direção da Anvisa disse que não acatará. Haverá, então, mais uma reclamação à Justiça sobre o cumprimento da Carta.
Há outras evidências de que existem anticorpos para repelir o autoritarismo. A atenção de todos, porém, deve ser a máxima possível. A quebra criminosa do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, na Receita Federal, alerta para a infiltração de militantes na máquina pública. Há, portanto, outras ameaças à democracia que não são percebidas a olho nu.
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