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22 de julho de 2010

Por que subsidiar o grande conglomerado?

Tributação elevada que contribui para que empresas se mantenham na informalidade é usada para subsidiar as grandes companhias

Em artigo anterior (Valor 28/05/10), argumentamos com dados que a maior parte do atraso brasileiro em relação aos países mais ricos deve-se à ineficiência geral da economia e à baixa escolaridade da população. Juntos, os dois fatores explicam cerca de 85% da diferença entre a renda per capita do Brasil e a dos EUA; os 15% restantes se devem à insuficiência de capital. Entretanto, mesmo não sendo a insuficiência de capital o principal entrave ao avanço do país, as políticas de promoção do crescimento em vigor teimam em repetir a mesma estratégia adotada nas décadas de 1950 a 1970, priorizando volumosos - e custosos - financiamentos à acumulação de capital. Por Pedro C. Ferreira e Renato Fragelli


Em artigo recente, Mansueto Almeida, economista do IPEA, estimou em cerca de R$ 10 bilhões o volume anual de subsídio concedido pelo BNDES a empresas. Só para efeito de comparação, o programa Bolsa Família, que atende 12 milhões de famílias pobres, custa R$ 13 bilhões anuais. O subsídio é caracterizado pelo fato de que o financiamento da dívida do governo federal - único acionista do BNDES - gira em torno da taxa Selic (10,25% ao ano ontem), enquanto o banco empresta às firmas a TJLP (6% ao ano).

Em contraste com os critérios transparentes adotados pelo governo federal na concessão da Bolsa Família, o BNDES, ao definir quais setores e empresas terão acesso a seus créditos subsidiados segue critérios obscuros. Dado que os principais beneficiados dos empréstimos são grandes conglomerados, trata-se de uma brutal transferência de recursos de todos os brasileiros para os acionistas destas empresas. Os financiamentos a TJLP constituem hoje um Bolsa Família às avessas, e as recentes capitalizações do banco - R$ 180 bilhões - indicam que a benesse para poucos tende a se expandir.

Subsídios creditícios a grandes conglomerados, além de contribuírem para agravar a má distribuição de renda, desestimulam o desenvolvimento do mercado de capitais e geram pouco incentivo a investimentos em aprimoramento tecnológico, pois a defasagem tecnológica que reduz a rentabilidade é compensada pelo subsídio. Não há evidência de que empresas "campeãs", escolhidas por sábios tecnocratas ou grandes oligopólios, sejam mais eficientes do que empresas menores.

Ao contrário, a evidência mostra o oposto. Causa surpresa, portanto, que economistas supostamente progressistas insistam em defender políticas ineficazes para promoção do crescimento e que transferem renda aos mais ricos.

Uma boa política econômica precisa ponderar custos e benefícios ao estabelecer suas prioridades. Se, por exemplo, o objetivo é a geração de empregos, deve-se verificar se o número de postos de trabalho a serem criados pelo subsídio supera o de postos destruídos pela tributação que custeia os subsídios. A tolerância - ou até mesmo simpatia - da sociedade em relação ao crédito público subsidiado decorre do fato de que os empregos criados são facilmente observáveis, pois concentram-se no setor escolhido pela tecnocracia, ao passo que os empregos destruídos são de difícil identificação, pois estão dispersos nos setores onerados pelo imposto que financia o subsídio.

A pesada estrutura tributária brasileira, com seu cipoal de impostos e contribuições sobre as mais diversas bases de incidência, inviabiliza hoje incontáveis empreendimentos. Ela é responsável, em larga medida, pelo tamanho exagerado da economia informal no país. Firmas informais tendem a ser menos produtivas, pois não têm acesso a crédito, o que as impede de investir em avanços tecnológicos, além de sofrerem com a alta rotatividade da mão de obra. No caso das empresas grandes, a tributação excessiva incentiva a concentração em poucas companhias, cujo poder de mercado permite a convivência com a exação fiscal. A menor competição desestimula os ganhos de produtividade.

O caminho para o crescimento está no foco em políticas que visem aumentar a eficiência geral da economia e que atinjam os agentes econômicos de forma mais equânime. São medidas institucionais de micro (e algumas macro) reformas voltadas para a redução de distorções. Exemplos urgentes são a redução da tributação sobre a folha salarial e sobre investimento, bem como eliminação de impostos em cascata. Uma estrutura tributária mais enxuta e menos distorcida incentivaria o investimento e a formalização. O resultado seria maior crescimento, com a vantagem que todas as empresas, de todos os setores, se beneficiariam, e não um grupo específico escolhido segundo critérios questionáveis.

É curioso que a mesma tributação elevada que contribui para que muitas empresas se mantenham na informalidade seja usada para subsidiar as grandes. Tira-se de quem não tem para se dar a quem tem. Será que isso é que se entende por ideias desenvolvimentistas? - Valor Econômico

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli são professores da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV

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