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8 de setembro de 2010

A quebra do sigilo fiscal e o Estado totalitário

"(...) Confessavam assim que havia sido consumada a transformação do Estado de instrumento da lei em instrumento da nação; a nação havia conquistado o Estado, e o interesse nacional chegou a ter prioridade sobre a lei muito antes da afirmação de [Adolf] Hitler de que "o direito é aquilo que é bom para o povo alemão".

(...) Mas, como a sua criação [do Estado-nação] coincidia com a de governos constitucionais, os Estados-nações sempre haviam representado o domínio da lei, e nele se baseavam, em contraste com o domínio da burocracia administrativa e do despotismo - ambos arbitrários. Por Ricardo Caldas



De modo que, ao se romper o precário equilíbrio entre a nação e o Estado, entre o interesse nacional e as instituições legais, ocorreu com espantosa rapidez a desintegração dessa forma de governo e de organização espontânea de povos." (Trechos do livro "As Origens do Totalitarismo", página 308, de Hannah Arendt). Na passagem acima, Hannah Arendt nos mostra como ocorre o processo de transformação do Estado de Direito em despotismo.

Ainda que na Europa a ascensão do totalitarismo tenha se dado em um contexto de perseguição às minorias nacionais, a forma como o Estado de Direito entra em declínio é sempre a mesma: as normas perdem o valor, os dirigentes do Estado se sentem à vontade para quebrá-las e a burocracia administrativa reina desimpedida, ao lado do despotismo.

Assim, o que caracterizava o totalitarismo para Arendt era não apenas a banalização do terror mas também a forma como o regime totalitário interfere e invade a vida individual de cada cidadão, que caberia ao Estado justamente proteger.

Com efeito, entre as características do Estado de Direito estão, "inter alia", o fato de todos, inclusive o próprio Estado, estarem submetidos às mesmas normas.

A essência do Estado de Direito é o respeito às normas e o respeito aos direitos fundamentais. Estes são direitos subjetivos que existem por parte do indivíduo perante o Estado, mas que nem por isso deixam de ter um claro conteúdo (direto) na relação Estado-cidadão.

No caso do Brasil, sigilo fiscal está associado a direito à privacidade, previsto na Constituição Federal de 1988 (título 2º, artigo 5º, inciso 10). A quebra de sigilo fiscal representa, portanto, uma quebra de um princípio constitucional. Dito de outra forma, o Estado, ao quebrar o sigilo fiscal de um de seus cidadãos, abandona sua característica de garantidor de direitos e se torna um Estado usurpador.

Esse fato -a quebra do sigilo fiscal- é um aviso de que o Estado democrático de Direito está em crise e de que um Estado totalitário se aproxima.
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RICARDO CALDAS, professor de ciência política, é diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB (Universidade de Brasília).-Folha de São Paulo


DESPERTAR DA OPOSIÇÃO – Por MarcoAntonio Villa
Os adversários de Lula descobriram que vivemos num país onde as instituições democráticas são frágeis

A oposição acordou. Finalmente. Tinha imaginado que a eleição era na Lapônia. E que a candidatura oficial tinha a lhaneza do Papai Noel. Descobriu que vivemos em um país onde as instituições democráticas são frágeis. Onde o Poder Judiciário é de mentirinha. E o Legislativo está sendo invadido -para a alegria mórbida dos inimigos da liberdade- por humoristas decadentes, ex-jogadores de futebol, celebridades instantâneas e "sambeiros" que espancam suas mulheres.

Lula rasgou a Lei Eleitoral. Depois de ter sido multado diversas vezes pela TSE resolveu, a seu modo, a questão: passou a ignorar solenemente o tribunal. Manteve a rotina de associar o cotidiano administrativo com o processo eleitoral. Em outras palavras: "peitou" o tribunal e ganhou. Ganhou por omissão do TSE.

Para Lula, a democracia não funciona pelo respeito às leis, com uma oposição vigilante e pela crítica às ações do governo. Não. Para ele, a democracia só tem uma fala, a dele.

Transformou as cerimônias públicas em espetáculos de humilhação. Aos adversários, como na Revolução Cultural chinesa, reserva o opróbrio. Basta citar dois incidentes recentes: um em São Paulo e outro em Sorocaba. Manteve-se impassível quando a claque vaiou e quase impediu de falar o governador Goldman.

No fundo, estava satisfeito. O mais triste é que o fato foi considerado absolutamente natural. No Brasil lulista a prática de impedir pelos gritos e, se necessário, pela força um opositor de falar está virando rotina.

A associação indevida entre governo e Estado é evidenciada a todo momento. Tanto no escândalo dos dossiês, como no comício de Guarulhos -onde nem usou o disfarce da presença da candidata- ou na decoração do gabinete presidencial, que tem na parede um adesivo com o logotipo do governo em vez de algo símbolo nacional.

O lulismo desqualifica a política. E abre caminho para o autoritarismo. A eleição deixa de ser uma salutar disputa pelo futuro do país e vira uma guerra. Para ele, os opositores não são adversários, são inimigos.

Enfatiza alguns êxitos econômicos (parte deles sem qualquer relação com o atual governo) e sonha com o poder absoluto. Despreza os defensores das liberdades e, por vontade própria, já começou a miniconstituinte: aboliu informalmente o artigo 5º da Constituição.

Age como o regime militar. Tem medo de, cara a cara, enfrentar um oposicionista. Ridiculariza a política. Neste ritmo logo veremos, como na ditadura, algum outdoor com a frase: "Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada".- Folha de São Paulo
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MARCO ANTONIO VILLA é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSC

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