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13 de setembro de 2010

Uma oposição para Chávez

Até os pobres finalmente começam a perceber o mal-estar simbolizado na cor vermelha – Por Arthur

Apesar do jogo sujo do presidente, o pleito legislativo do próximo dia 26 é uma chance para a democracia da Venezuela.

Petare, a maior favela da América Latina, com 1,2 milhão de habitantes, não costumava ser um bom lugar para fazer passeatas pedindo voto para candidatos contrários ao presidente Hugo Chávez. Situado em um morro de Caracas, a capital da Venezuela. esse amontoado de construções irregulares - muito parecidas com as que existem nas metrópoles brasileiras - era um reduto chavista até cerca de dois anos atrás. Quando a oposição se aventurava por lá, era recebida a pedradas e garrafadas. Usar uma camiseta de partido que não fosse vermelha, a cor do chavismo, era uma temeridade. Nas últimas semanas, no entanto, suas vielas têm sido frequentemente tomadas por cabos eleitorais vestidos com camisetas de candidatos em matizes diversos, tocando tambor e carregando cartazes com referências à lei do desarmamento, um dos principais projetos da oposição. Por Duda Teixeira


Petare, como todo o país, está em clima de campanha. No próximo dia 26 serão realizadas eleições para a Assembleia Nacional. uma oportunidade para impedir a transformação da Venezuela em uma nova Cuba. O pleito tem um significado especial porque, desde 2005, quando a oposição optou por não disputar as eleições em protesto contra as fraudes do governo, o Parlamento tornou-se um instrumento fiel aos intuitos de Chávez, o responsável pelo processo de cubanização do país.

Nos últimos cinco anos, Chávez aproveitou a ausência de oposição no Poder Legislativo para aprofundar seu "socialismo do século XXI", o nome pomposo para um projeto nacional populista que inclui medidas como a expropriação de empresas, as invasões de terra pelo Exército, o uso da máquina pública para fins pessoais, a repressão à imprensa, a criação de milícias paramilitares para aterrorizar vozes discordantes e o apoio aos narcoguerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Como resultado, a criminalidade saiu do controle - há mais mortes violentas na Venezuela do que no Iraque -, a produção de petróleo, arrimo do país, caiu 30%, a inflação disparou, a economia está em recessão pelo segundo ano consecutivo, falta comida nos supermercados e a população empobreceu. Recuperar todo esse estrago talvez custe mais tempo do que o necessário para causá-lo. O primeiro passo poderá ser dado quando a oposição retomar alguma representatividade no Parlamento.

Não serão eleições limpas. O favorecimento do governo aos seus candidatos é total, com muito dinheiro oficial sendo gasto em propaganda. Todas as TVs - com exceção da Globovisión, sob constante pressão governamental - defendem o presidente. Apesar de Chávez ter apenas 36% de aprovação popular (há um ano, tinha 46%) e de as pesquisas eleitorais indicarem um alto grau de rejeição aos candidatos chavistas, a oposição não deve conseguir a maioria na Assembleia. Isso porque, no ano passado, os deputados redesenharam o mapa dos distritos eleitorais para favorecer candidatos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). criado pelo presidente. "Em condições tão desfavoráveis. a eleição de um único depurado de oposição já seria um triunfo", diz o historiador venezuelano Manuel Caballero. Os partidos de oposição podem não conseguir eleger deputados em número suficiente para aprovar leis ou vetá-las, mas a simples presença de vozes dissonantes na Assembleia dará fôlego novo à moribunda democracia venezuelana. Isso explica por que os candidatos opositores estão animados, apesar de saberem que serão roubados nas umas. "Teremos mais votos, mas talvez nos falte o controle da Assembleia", diz Maria Corina Machado, uma candidata sem partido de Caracas, com grande chance de se eleger. "Se esse for o caso, teremos uma ação mais política do que legislativa." Por ação política, emenda-se atrasar a votação de leis autoritárias. levar à tribuna a discussão de temas críticos ao governo e bloquear trâmites que necessitam da aprovação de dois terços dos depurados, como a nomeação de juizes para o Tribunal Supremo de Justiça e para o Conselho Nacional Eleitoral. Nos últimos cinco anos. Chávez usou a submissão da Assembleia para aparelhar esses órgãos do Judiciário com magistrados leais aos seus planos liberticidas.

A ascensão de Hugo Chávez à Presidência, em 1999, e sua persistência no poder foram possibilitadas por três fatores principais. O primeiro foi a existência de uma oposição fraca, fragmentada e, em grande medida, composta de velhos políticos execrados pela população. O segundo foi a alta do preço do barril de petróleo, que saiu de um. patamar de 20 dólares no inicio do mandato e ultrapassou os 100 dólares. Antes dessa alta, Chávez havia assumido o controle total da PDVSA, a estatal petrolífera, e criou mecanismos para dispor de seus recursos da maneira que lhe convém. O terceiro fator foi o uso da renda do petróleo para criar programas assistencialistas, cujo objetivo era distribuir dinheiro aos cidadãos pobres e torná-los dependentes da ajuda governamental.

Nos últimos dois anos, esses três fatores começaram a deixar Chávez na mão. Medidas desastrosas, como a substituição dos antigos funcionários da PDVSA por chavistas sem conhecimento técnico e o rompimento de contratos de parceria com multinacionais do setor, derrubaram a produção de petróleo e, com ela, o volume de dinheiro disponível para Chávez distribuir a seus apoiadores. Sem recursos, o presidente não está conseguindo cumprir suas promessas clientelistas. No ano passado, a verba para os programas sociais caiu 80%. Muitos chavistas de ocasião, atraídos pela perspectiva de ganhar dinheiro fácil, ficaram decepcionados. "Quando tinha passeata da oposição e Chávez pedia para o meu pessoal jogar pedra ou atropelar os estudantes com motos, todo mundo ia. Agora, ninguém mais vai para a briga", coma Zulay Diaz, secretária-geral de um sindicato de trabalhadores informais de Caracas.

A mudança mais ameaçadora para Chávez ocorreu no perfil da oposição.Desde 2007, quando o presidente foi derrotado em um referendo para alterar a Constituição, surgiram lideranças novas, entre as quais estudantes indignados com os constantes ataques chavistas à liberdade de expressão. Novos partidos ganharam força, como o Primero Justicia, composto na maioria de jovens saídos do tradicional Copei, e o esquerdista Pátria para Todos (PPT), com dissidentes do chavismo. Decididos a garantir os votos dos descontentes, 51 partidos de oposição se uniram em uma mesma organização, a Mesa de Unidade Democrática (MUD). Juntos, realizaram eleições primárias, em abril, para escolher os candidatos com maior chance de vitória em cada distrito. Qualquer cidadão com título de eleitor podia votar. A MUD também elaborou um programa conjunto, com propostas concretas para combater a crescente criminalidade e a corrupção nas repartições públicas. A inédita união e organização dos candidatos opositores contrasta com a ausência de propostas políticas dos chavistas. "Não temos projetos próprios. Nosso objetivo é manter o socialismo bolivariano sob a liderança de Hugo Chávez", diz Robert Serra, candidato do PSUV. "Minha missão será tornar-me uma porta-voz do povo", diz a cantora Vilma Garce. O maior sucesso da candidata? Ela canta: "Militantes do PSUV com Chávez vamos vencer...".

Três meses separam a eleição da posse da nova Assembleia, em janeiro. O maior temor da oposição é que, caso o resultado seja muito desfavorável ao governo, Chávez reaja com a truculência de sempre. Até o fim do ano, ele pode mudar as regras de funcionamento do Parlamento, eliminando a exigência de maioria qualificada para determinadas votações, por exemplo. No extremo, poderia fechar o Congresso. Se a Venezuela mudou, Chávez não.

A Hollywood chavista
Eva é uma costureira cubana cuja vida vai de mal a pior. O bonitão venezuelano que dirigia um Audi em Havana a abandona e ela é demitida da fábrica onde trabalhava. Uma noite, tristonha, enxerga um cartaz iluminado na rua com o rosto do ditador cubano Fidel Castro e a frase: "Porque nada no mundo nos deve subjugar". De súbito, sua existência começa a melhorar. Com a ajuda de um fantasma, Eva abre uma casa de chá que passa a ser disputada por cubanos felizes e endinheirados. Havana, não há dúvida, é a terra do empreendedorismo.

Ficção, claro. O roteiro de Havana Eva, em cartaz nos shoppings de Caracas, está recheado de clichês e falácias ideológicas. O filme é um dos catorze realizados pela estatal chavista do cinema, a Villa del Cine, criada há quatro anos para, segundo Hugo Chávez, defender a cultura venezuelana da influência de Hollywood. As produções são pagas com recursos do petróleo. Para construir o estúdio e comprar equipamentos, foi gasto o equivalente a 30 milhões de reais. A companhia padece dos mesmos problemas das demais estatais venezuelanas, como corrupção e ineficiência. Uma de suas presidentes roubou tanto que os chavistas não conseguiram mais acobertar os desvios e sua permanência no cargo se tornou insustentável. Durante a produção de Havana Eva, depois que todos os atores já haviam retornado à Venezuela, foi preciso levá-los novamente para a capital cubana para refilmar 60% das cenas. Motivo: estavam fora de foco. Entre os roteiros da Villa del Cine, predominam comédias e filmes históricos. O primeiro a ser lançado foi Miranda Regressa, sobre o militar que lutou pela independência com o libertador Simón Bolívar, ídolo de Chávez. "É natural que a Villa apoie filmes com um viés favorável ao governo. Há uma linha política que deve ser seguida", explica o cineasta Carlos Malavé, que teve filmes patrocinados pela estatal. Veja

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