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19 de setembro de 2010

Uma questão de falta de classe

"Nova classe média" é apenas rótulo de renda. Um "C" do funk e um "C" evangélico não têm o mesmo perfil social

O país vive dias singulares, de maiorias impressionantes. Apenas 5% do eleitorado considera péssimo o governo Lula. Dilma Rousseff (PT) esbarra em 60% dos votos válidos. As classes "média" ("C") e "acima da média" ("AB") constituem agora 61% da população, ante 47% em 2002 ou 38% em 1992, dizem os números muito informativos que o Centro de Políticas Sociais da FGV-RJ calcula a partir da Pnad-IBGE. Acredita-se que a formação das atuais maiorias políticas se deve à transformação do Brasil nessa fantasia de país de classes "média" e "acima da média". É muito provável, mas isso significa só que Lula e Dilma se beneficiam de um crescimento maior da economia e de uma desigualdade um pouco menor. Por Vinicius Torres Freire


Como se sabe, "classe" significa aqui apenas o rótulo de uma estatística econômica, de renda: aqueles que estão no meio. Note-se ainda que se trata de um "meio" bem precário. Só 21% dos domicílios urbanos têm, simultaneamente, luz, telefone fixo, internet, geladeira, TV colorida e lavadora, dado do IBGE.

A informação sobre classes de renda apenas não nos serve para pensar as divisões políticas, sociais e culturais ora obliteradas pela avalanche luliana. Não serve para pensar as relações de diferentes grupos sociais com o Estado (impessoais, de clientela, corruptas ou de cobrança ativa?), suas atitudes em relações a reformas sociais e políticas públicas (aborto? menos impostos?) ou escolhas de parlamentares.

O falatório vulgar sobre a "nova classe média" é um sinal desses tempos, da euforia com uns anos de PIB melhor, e dos crescentes economicismo e burrice na análise político-social. Quem pergunta como é composta essa multidão com renda entre uns R$ 1.000 e R$ 5.000 (os "C") ou acima disso ("AB")?

Talvez as noções sociológicas de "classe" tenham sido arruinadas de vez por um mundo em que opiniões e interesses se agregam de modo diverso de acordo com a questão em disputa (e não de acordo com a posição no trabalho ou o status, por exemplo). Num mundo ou país em que um mesmo tipo de informação e entretenimento midiáticos agrega ou influencia públicos de diversos níveis de renda ou educação (como novelas, o "Jornal Nacional", sertanejos e Ivete Sangalo).

Ainda assim, cabe pensar nas diferenças sociais e nas alianças ou nos conflitos políticos que podem surgir a partir delas. O que podem dizer sobre qualidade e variedade da representação política? Sobre o futuro da conformação partidária? Da corrupção endêmica? Sobre a tolerância a populismos autoritários?

No que diferem indivíduos "C" evangélicos dos que vão a shows do Calcinha Preta ou de pancadão?

Na "classe AB", 25% dos ocupados são servidores públicos (na "classe C" são 11,6%. Na "D", 6,5%, servidores municipais de baixo escalão). A elite é bem mais estatal.

Haveria mais "empreendedorismo" entre os classe "C"? Por que são refratários a privatizações?

Quem e como são as pessoas que vivem como agregados de altos servidores do Estado (e portanto se penduram no governo)? Qual a classe de Erenice Guerra? A elite sindicalista é "AB" ou "C"? E daí?

Conservadores paulistas "C" eleitores de Geraldo Alckmin partilham quais valores com os "C" da Rocinha? E com os fazendeiros "AB" ou com a elite country-sertaneja? Folha de São Paulo

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