Críticas do presidente da Petrobras à gestão anterior levantam debate sobre governança corporativa
Gabrielli: presidente da Petrobras alega que defendeu modelo de negócios e não se envolveu na campanhaProtagonista nas campanhas presidenciais de 2002 e 2006, a Petrobras voltou ao centro do debate eleitoral este ano, mas com um ingrediente inédito. A própria empresa, na figura de seu presidente, José Sergio Gabrielli, expôs-se na defesa da candidatura Dilma Rousseff (PT). O executivo saiu publicamente em campanha, ao atacar a administração da estatal durante a gestão do PSDB e defender a administração atual . É a primeira vez que o executivo-chefe da maior empresa brasileira expõe-se no debate eleitoral. Por Graziella Valenti
O envolvimento levou à reação de acionistas da empresa. "O administrador deve lealdade à companhia e não ao controlador", enfatizou Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que disse se tratar de uma questão técnica, uma vez que a obrigação está prevista na Lei das Sociedades por Ações. "O desvio dessa conduta provoca perda do valor da companhia e a queda de suas ações." Segundo Garcia, os avanços no conceito de governança no Brasil nos últimos anos estiveram concentrados nessa separação do papel do administrador. "Mas ainda falta esse avanço ocorrer nas estatais, de forma geral."
Primeiro Gabrielli fez uma carta respondendo às críticas de David Zylbersztajn, que foi presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), na qual afirmou que o PSDB trabalhava pela "privatização" e pelo "desmonte" da Petrobras. Zylbersztajn, por sua vez, estava respondendo a citações feitas pela candidata Dilma Rousseff (PT) durante o primeiro debate do segundo turno. As críticas de Gabrielli foram repetidas em seguida em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo". O ex-presidente FHC negou qualquer intenção de privatização e o enfraquecimento da empresa.
O envolvimento de Gabrielli na disputa política, extrapolando seu papel de administrador de companhia estatal e aberta, provocou mais uma vez discussões sobre a governança corporativa de empresas públicas entre especialistas e os incomodou investidores, em especial neste momento em que a companhia tem pela frente os desafios da exploração do pré-sal. Outro fato que chamou atenção foi a antecipação do lançamento da operação comercial do campo de Tupi para antes da votação do segundo turno, fato que estava inicialmente previsto para o fim deste ano.
Questionada sobre a conduta de Gabrielli, a assessoria de imprensa da estatal afirma que o executivo "não participou de debate eleitoral". "Ele se manifestou com o intuito de discutir o futuro da empresa, que é sua atribuição, independentemente do período eleitoral. Ao comparar a gestão da Petrobras dos últimos oito anos com a gestão da diretoria dos anos anteriores, o presidente Gabrielli defendeu, como sempre o fez, o modelo de negócios que considera mais adequado para a Petrobras, com mais eficiência e resultados", diz a resposta da empresa.
Na opinião da professora Roberta Prado, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a conduta chama atenção, especialmente porque vem depois da megacapitalização da companhia, na qual investidores nacionais e internacionais participaram com R$ 40 bilhões. " Ele deveria estar focado no negócio, que é o papel do administrador." O envolvimento do executivo na cena política acaba gerando intranquilidade, na medida em que não traz segurança sobre a separação dos interesse de governo dos da companhia, segundo a especialista.
Essa, aliás, é uma preocupação presente desde a oferta de ações, pois o governo aportou R$ 80 bilhões e elevou sua participação de 39% para 48% do capital total. Os investidores estrangeiros foram duros nas críticas à empresa e ao governo nesse processo, alegando que foram forçosamente diluídos.
Para investidores, não faltam desafios operacionais para Gabrielli se dedicar neste momento.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou em 2005 o primeiro e o único documento com diretrizes para governança de estatais, com destaque para a separação das decisões de negócio das políticas, de forma a reduzir a interferência na gestão diária.
No Brasil, é grande a presença de estatais no mercado. Elas respondem por 15% do Índice Bovespa. Só a Petrobras tem 10% do indicador. É a maior empresa do país, avaliada em R$ 350 bilhões.
Alexandre Di Miceli, professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra em seu livro "Governança Corporativa no Brasil e no Mundo" lembra que se trata de um desafio de toda a América Latina.
A preocupação com a governança das empresas estatais é crescente. A Amec programou seminário para 11 de novembro com esse tema, visando fornecer diretrizes para a condução desse debate no futuro, dado o aumento da participação do governo em empresas privadas. Já o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) tem um grupo de estudos que pretende criar recomendações específicas para essas companhias. Valor Econômico
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