Pivô do escândalo Erenice Guerra, MTA agora atrasa entregas e causa prejuízo aos Correios
Onze meses depois de a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) dar aval para que a Master Top Linhas Aéreas (MTA) continuasse voando, mesmo tendo detectado o risco de paralisação de seus serviços por problemas financeiros, a empresa está em crise financeira e não honra mais seus compromissos com os Correios, o que causa prejuízos ao contribuinte. A MTA foi pivô do escândalo que derrubou a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. A Polícia Federal investiga a denúncia de que a Anac teria aprovado a renovação da concessão da empresa após a intervenção de Israel Guerra, filho de Erenice, que teria recebido propina para deslanchar o processo. Por Fábio Fabrini
Erenice nega envolvimento. O presidente dos Correios, David José de Matos, confirmou os problemas da MTA, ontem, e disse que a contratação de concorrentes para substituí-la custará mais ao governo. Em entrevista ao GLOBO, ele adiantou que a companhia deverá perder os contratos com os Correios e ficar proibida de operar linhas de transporte de cargas postais por cinco anos.
A MTA vem sendo multada pelos Correios por atrasos ou descumprimento de voos da malha postal. Para manter as entregas, a estatal é obrigada a comprar, a preços mais altos, espaço em aeronaves de concorrentes, mediante pregões diários.
Numa contratação regular, paga-se por um pacote de voos e os aviões só podem levar encomendas da estatal. Numa emergência, o governo fica sujeito à disponibilidade das companhias, inclusive as que operam o transporte regular de passageiros — o que, invariavelmente, cria uma relação desvantajosa.
David de Matos não informou os valores que têm sido desembolsados para substituir a MTA: — Esse número depende muito do dia. Varia, mas é mais caro do que um contrato normal.
MTA é multada desde maio
Ele afirmou ontem que a proibição de ter negócios com os correios por cinco anos é a punição máxima pelo descumprimento de cláusulas do transporte. Um processo administrativo será aberto para avaliar o caso. Após a empresa apresentar suas alegações, a área técnica definirá as penalidades. A decisão será da diretoria da estatal, mas uma notificação avisando sobre as multas e cobrando as explicações já foi enviada.
— Estou falando sem ter os números nas mãos, mas, provavelmente, ela vai ter dificuldades de manter esses contratos — adiantou Matos, prometendo que não haverá concessões à prestadora de serviços: — Os Correios, desde 2005, depois que houve aquela questão toda que levou ao mensalão, são muito rigorosos em tudo o que fazem. Não tem colher de chá com contrato não cumprido. Não tem esse negócio de mandar carta ao presidente, de mandar deputado ou senador ir lá pedir para refrescar. Não tem isso.
A MTA opera hoje linhas Guarulhos-Salvador e Guarulhos-Recife para os Correios. Ambas são consideradas secundárias. Contudo, recentemente perdeu na Justiça o direito de fazer a rota Guarulhos-Brasília-Manaus, uma das mais rentáveis.
A MTA havia sido desclassificada em licitação para prestar o serviço e obteve liminar para suspender a contratação da nova empresa. A decisão caiu recentemente, garantindo à Rio Linhas Aéreas o contrato, de R$ 44 milhões.
Foi um baque duplo, já que, enquanto a pendenga não se resolvia, a MTA prestava o serviço por um contrato emergencial de R$ 19 milhões, que perdeu. Conforme reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo”, a MTA vem sendo multada desde maio por atrasos, mas a situação ficou crítica mês passado.
Falta dinheiro para combustível e fornecedores têm sido procurados para negociar débitos.
Parecer da Anac, do fim do ano passado, já apontava uma série de problemas, como má gestão, endividamento alto e risco de descontinuidade do serviço. Mesmo assim, a diretoria da agência renovou a concessão da empresa, o que abriu caminho para os negócios com os Correios. Israel Guerra é acusado de receber R$ 125 mil de propina pelo tráfico de influência junto ao governo.
Questionada, a Anac informou ontem que a análise da situação financeira não era impedimento para que a MTA voasse, e que o acompanhamento de suas operações é permanente. Até ontem, a empresa não havia comunicado paralisação das atividades à agência, tampouco a retirada das aeronaves do país. Procurado, o advogado da MTA, Marcos Pagliaro, não foi localizado até o fim da noite.
O presidente dos Correios tentou justificar que não cabe à estatal questionar as decisões da Agência de Aviação Civil.
— Estaria me metendo em outra área — disse David de Matos.
O ministro das Comunicações, José Artur Filardi, disse ontem que considera satisfatórias as justificativas de Matos, mas que conversará com ele sobre o caso.
Matos nega pressão para deixar o cargo
O presidente dos Correios contestou outra acusação — esta publicada pelo “Estado de S. Paulo” no último domingo — de que teria aprovado contrato superfaturado em R$ 2,8 milhões para favorecer a empresa Total Linhas Aéreas no transporte de cargas. Consultoria contratada pela estatal fixou em pregão eletrônico o preço do serviço em até R$ 41,5 milhões, mas a empresa conseguiu fechar o contrato por R$ 44,3 milhões, 6,75% mais do que o teto. Contudo, segundo o presidente dos Correios, o valor é 8% menor do que o preço médio praticado no mercado, conforme consulta feita pela estatal.
— A área técnica (dos Correios) analisou o valor e o considerou razoável. Não há como fazer qualquer alegação sobre superfaturamento — assegurou David de Matos, acrescentando que a decisão está sustentada por parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) e que, em pregões eletrônicos, não há vedação para que o valor do contrato supere o estipulado previamente.
Matos, que é o último indicado por Erenice Guerra ainda no governo, negou que esteja sofrendo pressão para se afastar do cargo e disse que permanecerá se o Palácio do Planalto concordar: — Enquanto o presidente Lula demonstrar confiança em mim, vou ficar, porque acho que tenho ainda a ajudar os Correios. O Globo
OS MALES DO CORREIO - Opinião Folha de São Paulo
Antes símbolo de eficiência, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos passou a reproduzir nos últimos anos, de alto a baixo, o que há de pior na administração pública do país.
Loteada, a estatal teve seus principais cargos usados pelo governo Lula como moeda política. É de perguntar o quê -ou quanto- teriam a ganhar diferentes grupos partidários na empresa, dada a ferocidade das disputas internas.
Foi desse embate que eclodiu o escândalo do mensalão. Também as denúncias que derrubaram a ex-ministra Erenice Guerra se seguiram à intervenção direta da Casa Civil, com o objetivo de reduzir o poder do PMDB, na empresa.
Os problemas se estendem às agências de atendimento. Unidades franqueadas à iniciativa privada foram distribuídas nos anos 1990 sem licitação, dando margem a nomeações políticas.
Em 2009, a Justiça finalmente determinou que esses contratos fossem encerrados até novembro deste ano, e que novo processo licitatório fosse realizado. A um mês do fim do prazo, continua pendente a situação da maioria das 1.500 agências franqueadas.
Para evitar um "apagão" postal, o governo decide, agora, providenciar um remendo: prorrogar os contratos por sete meses. A melhor saída para a empresa seria obrigá-la a enfrentar um mercado competitivo, flexibilizando o seu monopólio sobre os serviços postais essenciais. Tal medida parece hoje impossível, no entanto, como se pode constatar pela mistificação promovida na campanha eleitoral contra a benéfica privatização de setores ineficazes da economia brasileira.
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