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27 de outubro de 2010

O voto kamikaze do eleitor brasileiro

A candidata do PT à Presidência, à frente em todas as pesquisas de intenção de voto e, por esta razão, teoricamente, com possibilidade de estar anunciando agora não mais propaganda mas medidas próximas do que faria se eleita fosse dentro de cinco dias, jogou na praça um lote de novos enigmas para seu eleitor decifrar.

Depois de ter enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, para efeito de cumprimento da legislação, uma ata de reunião do PT a título de programa de governo, e fazer em seguida uma correção nessa peça para retirar as propostas polêmicas com mais potencial para perder do que para ganhar votos, anunciou esta semana, portanto, quase na boca da urna, alguns princípios que nortearão seu programa de governo, o real, supostamente a ser apresentado em janeiro, na posse, se eleita for. E o que se viu foi desprezo ao eleitorado que se interessa pelo tema, igual ao que dispensou quando mandou sem ler a ata de reunião do PT. Por Rosângela Bittar


Dilma apresentou, segunda-feira, uma espécie de declaração universal dos direitos do eleitor.

Estão ali as intenções de "expandir" e "fortalecer" a democracia, "expandir" o emprego e a renda, "prosseguir" com o projeto nacional de desenvolvimento, "defender" o meio ambiente, "garantir" a educação para a igualdade social, "universalizar" a saúde, "prover" as cidades de habitação e saneamento, "garantir" a segurança, "valorizar" a cultura, "defender" a soberania nacional, "erradicar" a pobreza, "fazer" um governo de todos.

Continuidade é uma ordem, sem direito ou dever de mudar Imagine-se qualquer conjunto de intenções com verbos mais precisos ou opostos a esses, e obtém-se a certeza de que está proposto um governo absurdo. Portanto, mais uma vez, como ocorreu no primeiro turno, o eleitor que está dando a dianteira à candidata do PT vai às urnas no escuro, sem ter a mais pálida ideia sobre o que vai acontecer na sua vida a partir de janeiro.

Na direção da campanha de Dilma alega-se que é proposital, a promessa básica é fazer um governo de continuidade. O eleitor, segundo este raciocínio, saberia, por exemplo, que ela não vai fazer uma reforma da Previdência e aumentar a idade de aposentadoria, como o Lula também não fez, em oito anos.

No quartel general da campanha, alega-se até que há dificuldades em entender a cobrança de uma informação mais clara sobre o que fará a candidata, se eleita, porque não se apresenta um programa novo no meio da caminhada, e o governo está em pleno andamento. "O governo está aí, tem um PAC, tem uma política econômica, tem uma política externa, e ainda precisa fazer um programa?" Continuidade, portanto, é em si um programa, camisa de força, sem direito a mudar ou dever de corrigir.

A falta de clareza sobre os assuntos e dilemas que movem a sociedade parece ser uma exigência da campanha eleitoral brasileira. Onde está, por exemplo, no programa divulgado anteontem, a proposta de recriação da CPMF, o imposto sobre o cheque, cuja extinção levou o presidente Lula a declarar guerra ao Senado Federal e trabalhar para extirpar a oposição, que derrotou o imposto? Mesmo que camuflado na sigla da contribuição CSS, uma fantasia para a nova taxa, não há sinal de "continuidade" desse projeto no documento divulgado.

Nao há ali, também, um só princípio que abrigue o aumento da carga tributária, que de resto vai acontecer se for criado o imposto ou feita a reforma.. E é isto que o presidente Lula busca e vai querer que a "continuidade" busque. Ainda ontem, na sua entrevista semanal, Lula prometeu se dedicar, quando deixar a Presidência, à esta reforma. E ela vem para aumentar impostos, não para reduzi-los ou melhorar sua distribuição. Se assim fosse não haveria discussão, já teria sido aprovada há muito tempo. Qual é a nova política fiscal? O funcionalismo continuará tendo seus aumentos de salário, as contratações prosseguirão em ritmo frenético como o maior fator de expansão do emprego, o salário mínimo valerá quanto?

Este ano, o superavit fiscal foi garantido pela capitalização da Petrobras, a antecipação da receita do pré-sal, e no ano que vem? Quais são as medidas a que ainda se pode recorrer para equilibrar o câmbio, não se sabe. A candidata em melhor posição de vitória, segundo as pesquisas, se eleita terá apenas dois meses para formular, em medidas, uma imensidão de ideias que devem compor seu projeto para o país. Este é o problema da propaganda, o pacote está bem embrulhado no slogan e não é transparente.

A realidade, o mundo concreto, são ainda vetados em campanha eleitoral no Brasil, onde até os números e índices são desmoralizados. Por uma razão que, segundo análises à disposição dos marqueteiros, é "científica". Essas definições são desnecessárias, apenas fatores de acirramento das disputas.

O brasileiro, segundo o argumento, vota na pessoa, não no seu programa. Por isso, elege senadores que depois escolhem, para presidir um poder importantíssimo, como o Legislativo, os seus pares de imagem mais destruída na opinião pública. Não precisam declarar suas posições antes. Da mesma forma que não avisam em que tipos de maldades ou bondades com o bolso alheio pretendem solidarizar-se com o Executivo.

Ao escolher o presidente, o eleitor tateia no escuro, vai pela imagem, pelo padrinho, pelo carisma, pela impressão, pela fisiologia, pela propaganda. Depois, se atende ao eleitor, a lua de mel prossegue. Se faz o confisco da poupança, ficam todos boquiabertos, paralisados. A frustração da propaganda não tem pistas nos genéricos programas de governo. Um candidato faz a campanha de caça aos marajás, o eleitor se encanta. Eleito, põe o governo para caçar os adversários, invadir jornais, afrontar. O eleitor põe na conta da decepção.

Com acesso privilegiado às decisões da campanha, um dirigente ressaltou a incidência do processo, ainda hoje. "Sejamos realistas, o eleitor sabe qual é o modelo Dilma, que é o modelo Lula. Admitamos que 5% ou 10% do eleitorado que lê jornais gostariam de ter uma posição mais definida sobre cada um dos temas que o afetam. A motivação do voto popular, de 90% do eleitorado, não passa por esta decisão". Esse índice, inclusive, é o do eleitorado que não muda mais o voto, tanto faz o tipo de governo que seu candidato vai fazer. Um sistema que entrega ao brasileiro o certificado de eleitor kamikaze. Rosângela Bittar é chefe da Redação do Valor Econômico, em Brasília. Escreve às quartas-feiras E-mail rosangela.bittar@valor.com.br

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