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28 de outubro de 2010

Um assunto muito sério

Embora desagrade a alguns, o aborto vem ocupando um lugar de destaque neste segundo turno das eleições. Alegam que há matérias mais importantes a serem discutidas, o que é um equívoco, pois o aborto - como outros assuntos que envolvam a vida humana - é tema legítimo e relevante em qualquer sociedade avançada.

Inadmissível é uma candidata à Presidência tentar ocultar suas convicções e opiniões, pensando somente no ganho eleitoral. É simplesmente patético vê-la jogar no lixo a própria dignidade, negando hoje o que disse ainda ontem, como se fosse possível apagar o passado. Por João Luiz Mauad


Mas falemos de aborto, e comecemos por uma entrevista à revista "Marie-Claire", em que a então ministra Dilma Rousseff disse (ou será que não disse?) o seguinte: "Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morrem porque tentam abortar em condições precárias."

Esse discurso "utilitarista" usado pela ex-ministra vem ganhando corpo há algum tempo. Trata-se, entretanto, de argumento legal, moral e filosoficamente inconsistente. É um contrassenso pretender legalizar uma prática com base nos índices de incidência ou no risco envolvido para os respectivos praticantes. Fosse isso razoável, deveríamos então pedir a descriminação do roubo ou do homicídio, crimes que também envolvem sérios riscos para os agentes, e cuja ocorrência em nosso país é superior à do aborto.

Um debate sério, laico e racional sobre o tema normalmente gira em torno da soberania da mulher, vale dizer, sua liberdade e propriedade sobre o próprio corpo, e da determinação do momento em que a vida humana começa. Colocando em foco estas duas questões, acredito que a lei brasileira, ao permitir o aborto somente em casos de estupro e risco de vida para a mãe, é correta.

O primeiro ponto a destacar é que o exercício da liberdade tem como contrapartida a responsabilidade irrestrita, da qual o agente não pode fugir, muito menos quando estão envolvidos direitos de terceiros. Um embrião humano que se instala no corpo da mulher, exceto em casos extraordinários de estupro, é produto de uma ação livre e consciente, cujas consequências são bastante previsíveis. Com efeito, a responsabilidade a ela inerente não pode ser recusada, isentada ou transferida.

Já o direito de propriedade assegura, entre outras coisas, que eu escolha quem pode ou não entrar em minha casa. Tal prerrogativa, no entanto, não me dá o direito de atentar contra a vida daqueles que lá estejam, desde que convidados ou consentidos, a menos que eles tenham, antes, colocado a minha própria vida em risco (legítima defesa).

Há ainda a alegação de que um embrião só passa de fato à condição de ser humano após um determinado prazo. Não se discute propriamente a existência da vida, mas da vida humana. Trata-se de debate biológico e filosófico antigo, porém sem qualquer solução ou consenso. Ora, diante de uma dúvida tão fundamental como essa, a ética e a prudência recomendam que se poupe a vida, afinal existe a possibilidade real de que o aborto provocado seja equivalente a um homicídio.

Ademais, quando se trata do direito de herança, por exemplo, a lei (de praticamente todos os países) não discute o nível de evolução do embrião no instante da morte do pai. Ora, se aceitarmos a possibilidade de sacrifício do feto antes de determinado estágio, sob o argumento de que a vida humana ainda não está formada, não seria também o caso de se contestar o direito de herança em caso de morte paterna dentro deste mesmo estágio? Se a lei protege a propriedade do embrião, por que não deve proteger também sua vida? Será que a propriedade é um valor superior à vida?

Não devemos esquecer que a existência de um indivíduo humano é altamente improvável. A probabilidade do encontro de um determinado espermatozoide com um óvulo específico é estatisticamente desprezível - muito mais difícil do que alguém ganhar na Mega-Sena várias vezes seguidas. Portanto, o sopro de vida que existe num "aglomerado de células embrionárias" não pode deixar de ser visto como algo extremamente valioso para o seu futuro dono. Infinitamente mais valioso que qualquer herança material, creio eu. O Globo

JOÃO LUIZ MAUAD é administrador de empresas

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