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28 de junho de 2010

A arte de escolher o pior

Apesar do triunfalismo, a diplomacia talvez seja o pior aspecto do governo Lula: nenhum avanço nos acordos comerciais, distância dos países ricos e aproximação com ditaduras. A mudança - se é que virá - fica para o sucessor. Desde 2002, o país fechou um único tratado de livre comércio, com Israel. No que diz respeito aos Estados Unidos, que apesar da crise continuam a ser a maior economia do mundo, o governo brasileiro insiste em confrontar a Casa Branca, intervindo em questões como a nuclearização do Irã.


"Em 18 horas de negociação conseguimos o que os Estados Unidos não conseguiram em 31 anos", disse Lula sobre o controverso - e já fracassado - acordo fechado por Brasil, Irã e Turquia para tentar evitar que Teerã recebesse novas sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas o pior equívoco da política externa é o apoio a ditaduras brutais, como o próprio Irã, de Mahmoud Ahmadinejad, e Cuba - além de fazer vista grossa para o recrudescimento do regime autoritário da Venezuela de Hugo Chávez. "O Brasil pode até ter ganhado algum respeito no front econômico", escreveu a analista Mary Anastasia O'Grady, do The Wall Street Journal. "Mas quando se trata de liderança geopolítica, o presidente Lula tem se empenhado em preservar a imagem de um país de Terceiro Mundo ressentido e estridente."

Muito barulho e pouco resultado
No governo Lula, a política externa tem sido marcada pela agressividade. Além de confrontar os Estados Unidos, tentando ser mediador de questões globais complexas, como o programa nuclear iraniano, o Itamaraty multiplicou as representações em outros países. Mas tal esforço não se traduziu numa arrancada das exportações. A parcela brasileira do comércio no mundo, que era de 0,9% em 2002, continua pequena:

Um dos motivos dessa evolução modesta é a falta de ampliação dos tratados comerciais por parte do Brasil:

Segundo diversos analistas ouvidos por EXAME, quem vier a suceder Lula na Presidência terá o desafio de recompor a imagem do país na arena internacional, além de dar prioridade à diplomacia comercial. Em clima de campanha, os candidatos delineiam suas plataformas de política externa.

A candidata petista, Dilma Rousseff, promete uma linha de continuidade, inclusive quanto ao Irã. "A posição do Brasil a respeito do Irã é pró-paz, que atingimos porque temos soberania nas relações internacionais", disse Dilma em recente viagem à Europa. De sua parte, se eleito, o candidato tucano, José Serra, deve reaproximar o país dos Estados Unidos. "Com Serra, a diplomacia voltará ao leito normal, com a valorização da política comercial e menos complacência com os governos populistas vizinhos", diz um assessor da campanha do candidato. Serra já acusou o presidente da Bolívia, Evo Morales, de ser conivente com a exportação de cocaína de seu país para o Brasil. O candidato tucano também declarou que criaria um órgão à semelhança da Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). Já a candidata Marina Silva, do Partido Verde, promete enfatizar a liderança brasileira nas questões climáticas. "Devemos dar o exemplo, incentivando a economia de baixo carbono", diz Marina em sua plataforma, que também destaca a defesa dos direitos humanos.

Os erros do governo Lula no front internacional, na visão dos analistas, têm duas causas. A primeira é a diminuição do poder do Itamaraty - reconhecido mundialmente pela qualidade dos diplomatas - na formulação da política externa. "A fim de apaziguar os setores mais radicais do PT, Lula fez uma espécie de barganha, promovendo, de um lado, uma política monetária conservadora, mas adotando, por outro, uma diplomacia esquerdista", diz David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília. O segundo erro seria a escolha equivocada de prioridades. "Em vez de se atritar com os Estados Unidos, o Brasil deveria dar prioridade à liderança na América do Sul, que, além de ser sua esfera primordial de influência, é um importante mercado", diz José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais.

Apesar de manter uma retórica integracionista na América do Sul, o governo Lula, com uma série de concessões à Argentina, debilitou a evolução do Mercosul - união aduaneira que, além dos dois países, inclui o Uruguai e o Paraguai e num futuro próximo deve incorporar a Venezuela. "A tolerância brasileira para com a Argentina impediu o avanço do Mercosul, tornando-o um grupo sem regras comuns cujas disputas só podem ser resolvidas por decisões presidenciais, o que é um claro sinal de debilidade diplomática", diz Peter Hakim, presidente emérito do centro de estudos Diálogo Inter-Americano, de Washington. Outro vácuo da liderança brasileira é a ausência de acordos bilaterais de livre comércio. "O Brasil tem focado demais as negociações da Organização Mundial do Comércio, ainda emperradas, e descuidado de tratados mais específicos que aumentem significativamente as exportações", diz Ricardo Mendes, especialista em comércio externo.

O resultado de tal política é claramente insatisfatório. Em valores absolutos, de 2002 a 2008, as exportações brasileiras cresceram mais de três vezes, de 60 bilhões de dólares para 198 bilhões de dólares. Contudo, nesse período, o comércio global como um todo se multiplicou e o resultado é que a participação brasileira avançou pouco, de 0,9% para o ainda modesto 1,2% do volume de trocas no mundo. A crescente competição chinesa com as manufaturas brasileiras em mercados estratégicos, como a América Latina e os Estados Unidos, é uma questão que deverá ser discutida nos próximos anos. Um estudo da dupla de economistas Marina Filgueiras e Honório Kume, recém-publicado no livro O Brasil e os Demais Brics - Comércio e Política, mostra que, de 2000 a 2008, a China quase dobrou as vendas para os Estados Unidos, que passaram de 8,3% para 16% das importações americanas, enquanto as vendas brasileiras aos americanos subiram de 1,1% para 1,4%.

Ao contrário do que o governo brasileiro diz, as escaramuças entre Brasília e Washington tornam ainda mais remota a ambição brasileira de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, já que os americanos têm poder de veto na instituição. Um dos focos de atrito entre ambos é Honduras, a pequena nação centro-americana que já conta com um presidente, Porfírio Lobo, eleito democraticamente, ainda não reconhecido pelo Brasil. O governo brasileiro, que em 2009 concedeu asilo na embaixada em Tegucigalpa ao ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, deposto por querer violar a Constituição do país, forçando sua reeleição, veta a presença de Honduras na Organização dos Estados Americanos. "Se quisesse se afirmar como uma potência digna de representar a América Latina no Conselho de Segurança, o Brasil deveria adotar posições mais corajosas na defesa da democracia em Honduras e na Venezuela", diz o cientista político chileno Patrício Navia, professor da Universidade de Nova York. "Hoje, numa posição antiamericana e dogmática, o Brasil não tem uma agenda positiva." Seja quem for o sucessor de Lula, seria desejável que, em 2011, o Itamaraty começasse a recuperar espaço na condução da diplomacia brasileira.

Por Angela Pimenta - Revista Exame

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