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13 de setembro de 2010

Para onde vamos? Por J.R.Guzzo

O comportamento da Receita Federal ao longo de todo o episódio da violação do sigilo de seus contribuintes ficará na história como uma desgraça para o serviço público brasileiro. O responsável final por isso é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nenhum presidente da República pode responder pelos atos dos 550 000 funcionários ativos do serviço civil da União. Mas pode escolher, perfeitamente, o papel que vai desempenhar quando um ou vários deles desrespeitam a lei; só depende, aí, da sua livre e espontânea vontade. Lula, desde o começo do caso, optou por ficar contra os cidadãos que tiveram seus direitos agredidos e o grupo político ao qual, de uma forma ou outra, estão ligados.


O resultado, na prática, é que as autoridades legalmente responsáveis pela manutenção do sigilo dos contribuintes, e por tomar providências quando ele é violado, se sentem autorizadas, ou até obrigadas, a esconder a verdade sobre o que aconteceu, proteger quem cometeu o delito e concluir, um dia, que ninguém no governo tem culpa de nada. Não dá para ser diferente. Lula, quando o caso já estava fervendo havia semanas, lembrou-se de pedir uma "investigação rigorosa" dos fatos - mas começou, ao mesmo tempo, a fazer comícios dedicados a insultar, menosprezar e ameaçar os adversários, repetindo que era tudo uma "armação eleitoral", "baixaria", "desespero" etc. Antes da investigação terminar, assim, já tem certeza do resultado. E quem, entre seus subordinados, estaria disposto a ir contra a posição do presidente? De lá para cá, Lula só aumentou o tom. Ultimamente tem dito que a oposição está praticando "um crime contra o povo brasileiro", ou "contra a mulher brasileira", quando o único crime que houve mesmo, até agora, foi contra o Código Penal.

Não há como tornar os fatos melhores do que eles são. Dados da declaração de renda do vice-presidente nacional do PSDB, Eduardo Jorge, foram desviados da Receita Federal e aparecem num "comitê de inteligência" a serviço da campanha eleitoral da candidata oficial Dilma Rousseff; num segundo momento, descobriu-se que fora violado, também, o segredo fiscal de Verônica Serra, filha do candidato de oposição José Serra. Os violadores, nos dois casos, são cidadãos com longa militância no PT - um deles, inclusive, é funcionário da própria Receita. O que mais seria preciso para surgirem suspeitas de que os delitos poderiam ter motivos políticos? Mas o governo, desde o primeiro minuto, garantiu que não havia nenhuma ligação com a campanha eleitoral - e, a partir daí, a defesa dessa teoria tem resultado em desastre sobre desastre. O argumento central das autoridades é que a violação de sigilo dos contribuintes é a coisa mais normal do mundo; dirigentes da Receita Federal, ninguém menos que eles, nos garantem que ali funciona a toda um ativo "balcão de negócios", em que se podem comprar e vender informações. Ou seja: o que Dilma, o PT ou o governo têm a ver com isso? É, possivelmente, um caso inédito em que a autoridade pública, para defender-se da prática de um crime, acusa a si mesma de conviver sossegadamente com a prática de outro - por atacado e de gravidade ainda maior, pois além das vítimas conhecidas envolve milhares de cidadãos brasileiros cujas declarações de renda são abertamente negociadas na praça.

Daí por diante, o que estava ruim só piorou. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, a quem a Receita Federal está subordinada, não notou problema algum no que disseram seus dirigentes. A certo momento, eles se viram metidos numa disputa judicial não com as funcionárias cujas senhas foram utilizadas para o delito, uma das quais, aliás, informa que seu computador "liga sozinho" - mas com uma das vítimas, Eduardo Jorge, para negar-lhe acesso a dados da investigação. Em outro momento inesquecível, chegaram a sustentar que foi a própria Verônica Serra quem solicitou, através de procuração, os dados de suas declarações - apenas para admitir, em seguida, que a procuração tinha pelo menos seis falsificações grosseiras. Esconderam esse fato por um dia inteiro, levando gente graúda do governo a jactar-se de que havia um papel explicando tudo". Para completar, o chefe da Receita, Otacílio Cartaxo, alegou que os subordinados tinham obrigação de aceitar o documento falso, por força "do Estatuto dos Funcionários Públicos".

Nada disso fez o presidente da República pensar um pouco melhor no que anda dizendo - ao contrário. É mais uma pista, entre outras, a indicar para onde vai nos levando sua notável popularidade. Revista Veja


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OAB pede punição por quebra de sigilo fiscal. O documento foi assinado pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante.

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