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25 de outubro de 2010

Escárnio eleitoral

A fim de garantir a vitória de um aliado, Lula não viu problema em carrear alguns bilhões de reais para estatal goiana

Parece não haver limites para o desprezo pelo dinheiro do contribuinte no Brasil.
Pouco destaque na mídia ganhou a operação de ajuda montada pelo governo federal para tirar da berlinda, com recursos da Caixa Econômica Federal e da Eletrobras, a combalida estatal de energia de Goiás, a Celg. Em um acordo de pai para filho, autorizou-se em 13 de outubro o despejo de R$ 3,7 bilhões na companhia goiana, a juros de 6% ao ano e duas longas décadas para o pagamento. Por Márcio Pacelli



Só por envolver recursos de um banco e de uma empresa estatais federais, a transação já mereceria um exame minucioso. Todavia, o fator eleitoral embutido na transação torna sua situação ainda mais grave. O governo Lula mandou às favas o bom senso e o equilíbrio para ajudar, a apenas 18 dias do segundo turno das eleições, seu candidato em Goiás, o peemedebista Íris Rezende, e contribuir para a derrota do tucano Marconi Perillo, um inimigo que causou bastante transtorno ao Palácio do Planalto.

Ainda na primeira etapa da campanha, o presidente da República não poupou esforços para metralhar seus adversários do Senado, entre eles o parlamentar goiano que muito o atormentou nos últimos quatro anos de governo. Se a disputa ficasse apenas nos discursos dos comícios, os eleitores poderiam até compreender. Mas a guerra foi além e ganhou contornos injustificáveis. A fim de garantir a vitória de um aliado, Lula não viu problema em carrear alguns bilhões de reais dos cofres públicos para a estatal goiana.

Vícios conhecidos Do ponto de vista empresarial, a questão é ainda mais complexa. Para Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, o governo fez a pior escolha. Decidiu tratar apenas o sintoma, ignorando mais uma vez as causas da doença. A seu ver, a proposta tenta tapar o buraco financeiro da Celg sem olhar para as debilidades de gestão e para o uso político da empresa, verdadeiras causas do flagelo da estatal há décadas. “É como se um paramédico recorresse à transfusão para salvar uma pessoa sem suturar a artéria aberta por onde o sangue se esvai”, compara.

Do empréstimo concedido, cerca de R$ 1,7 bilhão serão usados para quitar dívidas do governo local com a Celg e R$ 2 bilhões serão despejados no capital da estatal. Com os recursos, a companhia poderá quitar dívidas de tributos e encargos setoriais, recuperando o direito de reajustar suas tarifas. A Eletrobras injetará outros R$ 140 milhões na distribuidora, elevando a participação federal na empresa goiana a 6%.

Mas a operação de salvamento da Celg padece dos mesmos vícios que levaram à grave situação financeira da estatal, hoje com uma dívida estimada em quase R$ 6 bilhões. “O que falta é uma gestão competente e profissional, blindada de usos políticos”, aponta Sales. Alguns poderão argumentar que a entrada da Eletrobras na diretoria da estatal goiana terá exatamente o objetivo de sanar esse tipo de falha. O argumento seria verdadeiro se a empresa federal não fosse vítima de problema idêntico.

Legado duvidoso O desempenho das distribuidoras de energia elétrica administradas pela Eletrobras revela que o Estado não tem muito a oferecer em termos de gestão. Todas as companhias federalizadas — Amazonas Energia, Ceron, Eletroacre, Ceal, Cepisa e Boa Vista — estão entre as que apresentam o pior desempenho no setor elétrico. Seus custos operacionais superam em 36% o valor estabelecido como razoável pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A rentabilidade dessas empresas figura entre as mais baixas do país.

“Com esse histórico, qual seria o legado de excelência gerencial que a Eletrobras aportaria à Celg?”, indaga Sales. Em sua visão, a solução eficaz do problema passaria por um processo licitatório que selecionasse uma empresa competente para imprimir um novo padrão administrativo à distribuidora de energia goiana, tão maltratada por políticos.

Alcides Rodrigues (PP), governador de Goiás, classificou o socorro à Celg e a proximidade com o segundo turno apenas como “uma coincidência”. Mas, no dia seguinte, em agradecimento a Lula, formalizou o apoio de seu partido às candidaturas de Íris Rezende e da presidenciável petista Dilma Rousseff.

Investigação já O peemedebista Íris também não escondeu a importância da ajuda na corrida eleitoral do segundo turno. “O presidente Lula trouxe tranquilidade ao governo de Goiás na solução de um problema que se arrastava há muito tempo”, declarou à imprensa, numa referência ao empréstimo bilionário.

É ainda saudável lembrar que, incluídos na ajuda emergencial à Celg, estão cerca de R$ 700 milhões destinados ao estado de Goiás e a municípios goianos, a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não recolhido pela estatal aos cofres públicos. Trata-se de uma pequena montanha de dinheiro que pode ser usada para incentivar prefeitos a se alinharem aos ditames eleitorais de Brasília.

Se quisesse manter um mínimo de transparência, Lula deixaria para depois das eleições esse tipo de intervenção estadual. Sem o componente político, poderia devolver a saúde financeira à Celg e evitar um fenômeno que já custou bilhões de reais à sociedade goiana. Mas da maneira como ocorreu, a bondade federal merece, desde já, ser investigada pela Justiça Eleitoral, pelos ministérios públicos federal e estadual e, na hora oportuna, pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Coluna - Brasil S/A - Correio Braziliense

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