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24 de outubro de 2010

Chico e o risco

No início da semana passada, foi anunciado no Rio de Janeiro um manifesto de dez mil artistas e intelectuais pró-Dilma Rousseff. Como se sabe, a adesão de um deles - o cineasta José Padilha, do bem sucedido Tropa de Elite 2 - acabou desmentida horas depois.

Em busca do acesso à lista integral de apoiadores de Dilma, o jornalista Lauro Jardim, do Radar, da revista Veja, procurou a campanha petista. E descobriu que apenas o sociólogo Emir Sader, idealizador do manifesto, poderia fornecer o tal manifesto. O Radar, então, ligou para Sader e fez o mesmo pedido. O sociólogo, no entanto, afirmou que não tem condições de divulgar os nomes, pois ainda está organizando a lista. Conclusão óbvia sobre uma prática bastante conhecida da "turma do bem": "por enquanto, portanto, a tal lista é ficção". Ou seja, quando anunciaram os tais dez mil "artistas e intelectuais", não os tinham, nem havia condições de mostrá-los. Por Margrit Schmidt


Eles adoram manifestos
Intelectual de esquerda adora um manifesto, um abaixo-assinado e todo o tipo de listas que comprovem e carimbem seu ardor revolucionário ou, no caso em questão, quando no poder, boa visibilidade para pleitear as verbas companheiras - se é que me faço entender. Para divulgar o tal manifesto dos dez mil, que afinal ninguém sabe, ninguém viu, foi realizado um ato de apoio a Dilma no Rio, durante a semana.

Como mestre de cerimônia foi escalado, Chico Buarque de Hollanda, representando a pretensa fina flor da intelectualidade e a "classe artística". "Vim reiterar meu apoio a essa mulher de fibra, que já passou por tudo e não tem medo de nada. Vai herdar um governo que não corteja os poderosos de sempre. O Brasil é um país que é ouvido em toda parte porque fala de igual para igual com todos. Não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e o Paraguai", disse o cantor. "Dilma não tem medo de nada", disse o poeta das multidões, o destemido Julinho da Adelaide da época do regime militar, quando o medo era não apenas necessário como fundamental para garantir a sobrevivência. Naquele momento histórico era preciso ter coragem para não sucumbir à censura e à ausência de liberdades imposta pelo regime de exceção, mas também cautela para não colocar mais vidas em risco - por isso o codinome "Julinho" ajudava.

Mas o que quer dizer Chico quando louva o destemor de Dilma em plena era de democracia e liberdade? Será que ele quer dizer que ela não terá medo de enfrentar a resistência democrática e estabelecer o PNDH 3? Imaginem um presidente que não teme a reação institucional aos seus atos insensatos. Perguntem aos venezuelanos: lá o "corajoso" Hugo Chávez não teve medo de transformar a Venezuela numa ditadura.

SEM PUXASSAQUISMO
Hábil com as palavras e a língua portuguesa, filho do grande historiador Sérgio Buarque de Hollanda, Chico diz que a Dilma não só vai ganhar a eleição como "vai herdar um governo que não corteja os poderosos de sempre". Seria tranquilizador saber que Dilma não está disposta a cortejar poderosos, afinal isso lhe dá uma aura bacana e independente. Mas quem seriam mesmo "os poderosos de sempre"? Pulga atrás da orelha.

O Risco Dilma é um só: o de o Brasil jogar na lata de lixo a duríssima luta da reconquista da democracia

O governo Lula tem o apoio de políticos como José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor de Mello e outros do mesmo naipe. Também tem o apoio daquela parcela dos empresários que sempre apoiam quem está no poder. Os banqueiros estão satisfeitos e doaram caminhões de dinheiro para a campanha petista. Os velhos oligarcas não pensam em outra coisa e, dia sim outro também, cortejam e são cortejados por Lula e agora pela candidata dele.

Chico deixa em aberto a possibilidade de existirem outros poderosos que não sejam "os de sempre", cortejados sobejamente pelos petistas. Seriam os fundos de pensão, os novos poderosos? Os sindicatos? As ONGs? Fica a dúvida sociológica.

Finalmente Chico formula uma pérola do rudimentar pensamento lulista: "Não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e o Paraguai". O embaixador Rubens Ricúpero responde com máxima propriedade: "No plano externo, chamar de estratégicas relações com regimes ditatoriais que condenam mulheres ao apedrejamento pode também conquistar aplausos ideológicos ou lucros comerciais. Contudo, quem faz isso vende a própria alma, jogando fora os valores éticos e arruinando o prestígio vindo do exemplo".

É o Risco Dilma: o Brasil jogar na lata de lixo a luta da reconquista da democracia. Jornal de Brasília

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