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25 de setembro de 2010

Erosão e autoritarismo

Do ponto de vista interno, temos observado uma extrema leniência dos governantes e das autoridades com relação aos mais diferentes tipos de ilícitos

As denúncias envolvendo a Casa Civil e, antes dela, a Receita Federal, mostram em ação todo um processo de aparelhamento partidário e sindical da máquina estatal. Quebra de sigilo, tráfico de influência, patrimonialismo, fisiologismo e abuso de poder confluem numa mesma erosão das instituições republicanas. As instituições têm, precisamente, como uma de suas funções a de controlar esses malefícios, não ficando dependendo da virtude daqueles que exercem tais cargos. Por Denis Lerrer Rosenfield

Acontece, contudo, que as instituições só podem cumprir com essas funções se forem fiscalizadas interna e externamente. Internamente, graças a mecanismos das próprias instituições como corregedorias. Externamente, por intermédio da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, podendo esses investigar, divulgar e denunciar quaisquer atos de funcionários, governantes e autoridades.

Do ponto de vista interno, temos observado uma extrema leniência dos governantes e autoridades com os mais diferentes tipos de ilícitos. Atos criminosos são acobertados e seus responsáveis são dificilmente punidos. Vale a regra de que cometer ilícitos é admitido, desde que se faça com discrição e habilidade. Se esses atos vierem a público, a primeira regra é negá-los, a segunda minimizá-los e, em casos extremos, afastar os responsáveis. Desta maneira, a impunidade passa a valer como prática administrativa, pois atos criminosos são, assim, acobertados.

A questão de fundo que vem, então, a ser colocada, é a da impessoalidade, da imparcialidade e a da universalidade dessas instituições, que deveriam estar voltadas para servir aos cidadãos, protegendo-os contra quaisquer atos arbitrários. Sua função consistiria em conter todo arroubo e autoritarismo dos governantes, baseadas que deveriam estar no exercício da lei. O que ocorre, porém, em realidade?

As instituições se colocam a serviço dos governantes, seguindo suas ordens e afastando-se dos cidadãos. Esses, por sua vez, se vêem completamente desprotegidos. Os recursos dos contribuintes, que deveriam estar voltados para o bem público, para ajudar os indefesos, são desviados para interesses escusos, tanto pessoais, quanto partidários e sindicais. O resultado de tais práticas reside numa erosão progressiva das instituições, com os cidadãos não mais aderindo a órgãos estatais, que deveriam ser a expressão da vontade geral.

Um dos fatos mais escandalosos dos últimos anos consiste na impunidade reinante. Quando o próprio presidente já não dá mais o exemplo, torna-se difícil cobrar de um funcionário a retidão que deveria ser seguida por todos. Quando a impunidade reina, a democracia se enfraquece e a corrupção se generaliza.

Do ponto de vista externo, constata-se que todos os casos de corrupção e desvio de recursos públicos foram suscitados pela imprensa e pelos meios de comunicação em geral. Eles não são provenientes dos mecanismos internos de averiguação e fiscalização.

Se sabiam do que estava acontecendo, acobertaram os responsáveis. Se não sabiam de nada, são inúteis e não servem para a sua função. Isto significa que a erosão das instituições vem sendo contida pela liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, que terminam sendo um contrapeso para a impunidade que vigora pelo País afora. Graças a jornais, revistas, redes de televisão e emissoras de rádio, os cidadãos são informados do que está acontecendo, podendo formar juízos e criar condições para que tais atos não se repitam.

Se podemos falar, ao mesmo tempo, de erosão e fortalecimento das instituições, algo que pode soar contraditório, é porque a erosão é causada pelo aparelhamento partidário e sindical do Estado, com o beneplácito do presidente, enquanto o fortalecimento se faz a partir da imprensa e dos meios de comunicação que o denuncia.

Poder-se-ia mesmo aventar a hipótese de que a corrupção e o desvio de recursos públicos atuais não são muito diferentes do que foram no passado. Neste sentido, estar-se-ia usando de rigor com o atual governo, absolvendo os anteriores. Haveria uma espécie de zelo excessivo. Mesmo que se tome essa hipótese a sério, o diferencial essencial reside na liberdade de imprensa e dos meios de comunicação. Talvez o País nunca tenha vivido um período de tanta liberdade. Graças a ela, a democracia tem progredido visivelmente.

Eis por que causa especial apreensão, a tentativa do governo de procurar por vários meios coibir essa tão importante liberdade. Como ela se encontra muito consolidada no nível da opinião pública, os ataques a ela são efeitos a partir de uma "nova" idéia da democracia e das liberdades, tão "nova", aliás, quanto a idéia que inspira hoje o governo de Hugo Chávez e dos irmãos Castro.

Em vez de o governo partir para um ataque à corrupção, ao desvio de recursos públicos, ao aparelhamento partidário e sindical do Estado, ao fisiologismo e ao patrimonialismo, ele parte para atacar a imprensa e os meios de comunicação que os denunciam. Fala-se, inclusive, de "golpismo midiático". Numa curiosa inversão, os que são atacados são os que revelam e tornam públicos os atos ilícitos e não os seus autores. A "confusão" entre causa e consequência é nada mais do que um viés ideológico dos que procuram minar a democracia e enfraquecer as liberdades.

Como isto não pode ser dito abertamente, são utilizados "novos" conceitos que comprometem o que pretendem defender. Assim, para calar os meios de comunicação, a palavra de ordem é a de "democratização dos meios de comunicação",que é nada mais do que uma expressão do fortalecimento de corporações, cuja função consistiria em aumentar o aparelhamento partidário e sindical do Estado brasileiro.

Da mesma maneira, a expressão "controle social da mídia" significa o seu controle por "conselhos", que serviriam a sindicatos e movimentos sociais, articulados com o mesmo projeto de Poder. O risco de tais procedimentos reside no enfraquecimento da democracia e na tentação do autoritarismo. Diário do Comércio

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRS

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