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26 de setembro de 2010

Votos em troca de subsistência


“Esquecidas pelas promessas do passado, essas vítimas do descaso do poder público admitem que venderiam o voto por "qualquer ajuda". Elas querem coisas simples: um prato de comida, luz no barraco repleto de lama.

Vale do Mundaú/Brasília — Em cidades arrasadas pelas cheias no Nordeste ou em recantos esquecidos pelo poder público no DF, a venda de votos é encarada como arma legítima para vencer o quadro de miséria ao qual estão expostos. Por Izabelle Torres


O cenário é de guerra. As perspectivas, quase inexistentes. Nas cidades alagoanas arrasadas pelas cheias de junho, brasileiros transformam a campanha política na única esperança de reconstrução das vidas. Há meses, as vítimas das enchentes esperam por políticos interessados em votos com a lista de pedidos em mãos. Entre as necessidades enumeradas estão tijolos, cimento, móveis, colchões e lotes. Qualquer coisa é bem vinda para quem perdeu tudo: pertences, parentes e a capacidade de sonhar.

A espera tem sido em vão. Desde a tragédia, candidatos evitam passeios e campanhas nas cidades atingidas pelas cheias. Segundo os moradores, nenhum político tem percorrido as ruas devastadas ou apertado a mão dos que aguardam a chance de pedir algo. A ausência, no entanto, é apenas física. Jingles circulam pelas ruas em carros de som alugados e placas de candidatos sorridentes foram colocadas em meio aos destroços. "Visitas eles não fazem. Estão com medo do assédio. Precisamos de tudo e eles sabem disso. Só vamos votar em quem nos ajudar. A situação é essa. Mas ninguém apareceu.

Os candidatos só colocaram plaquinhas com a cara deles. O que vamos pedir às placas? Alguém tinha de aparecer", diz o comerciante Ednaldo Bernardino, sobrevivente de Branquinha (AL).

Em Santana do Mundaú (AL), um grupo de 40 moradores chegou a preparar uma lista de pedidos aos candidatos. Nela estavam comida, escola e uma "ajudinha" para pagar contas vencidas. "A gente combinou que só iria votar em quem ajudasse a gente de alguma forma. Para quem perdeu tudo, era uma chance boa. Mas os candidatos não apareceram, nempara a gente pedir que intercedam pela gente em Brasília para o dinheiro do socorro chegar logo", conta o pedreiro Antonio Gabriel da Silva.

Guerra vizinha
Perto do poder a situação não é diferente. A reportagem percorreu cidades do Distrito Federal e encontrou gente vivendo sem as mínimas condições de subsistência. Esquecidas pelas promessas do passado, essas vítimas do descaso do poder público admitem que venderiam o voto por "qualquer ajuda". Elas querem coisas simples: um prato de comida, luz no barraco repleto de lama."Eu venderia o meu voto ao primeiro político que viesse aqui e prometesse ao menos um acesso para eu chegar na minha casa. Nem que fosse só para passar uma máquina.

“Quando chover, não poderemos chegar aqui. Esqueceram da gente!”, relata a gari Patrícia Alves, moradora do condomínio Porto Rico, em Santa Maria. “A polícia não vem porque o carro não entra. O Samu também não. A luz não chega e o esgoto passando na nossa frente. Por isso, a gente combinou que iria ajudar ao político que ajudasse a gente. Mas eles não apareceram. Só os cabos eleitorais, mas a gente não acredita neles. Vamos ficar nesse esquecimento”, completa o vizinho José Mazzolo.

No Itapoã, as ruas de barro refletem a distância entre a conscientização pela escolha de bons candidatos e a miséria.

"A gente sabe que não deve vender voto, mas se esquecem de nós. Quem vai deixar de votar em alguém que ajuda? A gente tem de votar de qualquer jeito, né?", afirma a sorridente Maria das Dores Santos, que aos 44 anos divide um barraco com cinco filhos.

Obstáculo
Até os órgãos mais empenhados em coibir a comercialização de votos levam em conta as distorções sociais. Tanto que no Brasil nenhum eleitor foi punido por receber favores de candidatos. A expectativa de venda de votos acontece, apesar da campanha Eleições Limpas ter chegado aos rincões. Os brasileiros à espera de propostas para escolher os candidatos ouvem falar da importância de não trocar votos por favores pessoais e escolher candidatos ficha limpa. Nunca se falou tanto na importância de fazer boas escolhas. Nunca se trabalhou tanto para conscientizá-los. O obstáculo à construção de um cenário político melhor é resumido pelo aposentado Cicero Braz, 75 anos, morador de Branquinha.

"Nunca falaram tanto em voto bem dado. A gente até sabe e ouve sobre isso. O problema é que para quem não tem um pão para comer todo dia, escolher analisando a história deles fica cada vez mais difícil. Quem sabe um dia essa pobreza não acabe e a gente possa votar direitinho, né?"

Consciência popular
A campanha Eleições Limpas é uma iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o tema Não Vendo meu Voto, a ideia é conscientizar os eleitores da importância de cada um na escolha dos futuros políticos. Fôlderes com linguagem simples foram distribuídos em vários estados brasileiros. No mês passado, promotores em todo o país foram às ruas falar sobre a importância das eleições e esclarecer dúvidas dos eleitores. Em alguns estados, como o Espírito Santo, foi possível até fazer denúncias de tentativas de cooptação de votos.


O CUSTO DA ESCOLHA ERRADA
Investigações da PF indicam que a corrupção política lesou em R$ 2,5 bilhões os cofres públicos nos últimos quatro anos

Se a miséria em que vive grande parte dos brasileiros justifica a disposição de eleitores para negociar votos em troca do que deveria ser oferecido pelos governos, o preço de colocar no poder políticos mal intencionados representa uma sangria aos cofres públicos. Nos últimos quatro anos, 20 operações da Polícia Federal desbarataram esquemas de corrupção comandados por quem foi eleito para representar a população. Levantamento realizado pelo Correio mostra que o prejuízo causado ao erário por essas quadrilhas foi de R$ 2,57 bilhões. Dinheiro suficiente para construir mais de 75 mil casas populares ou 3.200 escolas.

São recursos desviados da saúde, da educação e de obras de infraestrutura. Dinheiro público que deveria ser usado para melhorar a vida dos brasileiros e que deságua na conta bancária de deputados, senadores, governadores, vereadores e prefeitos eleitos, na maioria das vezes, com votos comprados ou obtidos graças a promessas de vantagens pessoais. A busca de alguns por assistencialismo causa dificuldades na vida de outros. Se a responsabilidade por colocar políticos corruptos no poder fosse dividida por todos os eleitores, cada um teria de pagar R$19 para ressarcir os cofres públicos. “O grande desafio é conscientizar as pessoas de que os favores oferecidos hoje, amanhã vão se transformar em falta de segurança, de educação e na deficiência dos serviços de saúde e transporte que elas mesmas são vítimas”, resume o procurador eleitoral de Santa Maria, Ricardo Contardo.

Metade das operações da PF envolvendo a atuação de políticos corruptos encontrou esquemas de desvio de recursos destinado a obras de infraestrutura. A outra parte seria usada em investimentos na saúde e na educação (ver quadro) se não tivessem ido parar em contas pessoais.

Desvios
No Amapá está o caso mais recente e o mais custoso ao erário. Segundo o inquérito da operação Mãos Limpas, o desvio de recursos no estado chega a R$ 820 milhões. Um dos suspeitos de chefiar a quadrilha é o atual governador Pedro Paulo Dias (PPS), eleito como vice de Waldez Goes (PDT). Ambos foram presos. Em 2006, a chapa da dupla recebeu mais de 160 mil votos.

O erro na escolha feita por eleitores de Alagoas e Rondônia para deputados estaduais também rendeu escândalos e cifras milionárias desviadas. Nos dois casos, mais da metade dos integrantes da Assembleia Legislativa foi presa. No primeiro, por conta de um rombo de R$ 280 milhões na folha de pagamento dos servidores. No segundo, R$ 100 milhões do Orçamento foram parar nas contas bancárias de deputados, prejuízos que poderiam ter sido evitados pela escolha correta dos ocupantes do poder. Correio Braziliense

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